sexta-feira, 20 de março de 2015

FARTOS DE SEREM HUMILHADOS

GABRIEL VILAS BOAS
Se há coisa que pessoas cansadas, desiludidas e desesperançadas precisam é de se sentirem humilhadas. Nesse particular, podemos estar descansados que aqueles que nos governam não têm deixados a humilhação por terras alheias.
A dose tem sido tão… cavalar que o Jean-Claude Juncker já pediu aquelas hipócritas desculpas, próprias dum qualquer engomadinho de Bruxelas, mas PPC logo declarou, todo indignado, “não tem nada que se sentir mal, nós andávamos precisados dumas palmadas assim, que esta coisa de andar com as costas direitas não é coisa lá muito portuguesa”. E nós lá engolimos em seco mais uma indignidade que nos fizeram passar.
Antes já o ministro dos Negócios Estrangeiros tinha pedido desculpa ao governo mais corrupto de África porque, em Portugal, alguns juízes teimavam em investigar suspeitas de corrupção de alguns dirigentes desse país rico em petróleo, diamantes e que fala português. O mesmo ministro que anda a sensibilizar os seus homólogos a europeus a favor da Guiné Bissau, cujo governo assaltou o poder e não foi reconhecido como legítimo. Mas entretanto, no Palácio das Necessidades já se esqueceram disso. Como se esqueceram de se opor à entrada, na CPLP, dum país que fala francês e vive em ditadura.
Entretanto em Timor alguns cidadãos portugueses que exerciam, com a coluna na vertical, a difícil missão de julgar foram expulsos do país que ajudámos ser livre e independente, sem que o nosso governo pedisse umas meras explicações às autoridades timorenses.
Entre portas, o ministro da saúde acha perfeitamente possível pagar milhões a instituições privadas de saúde ao mesmo tempo que um milhão de portugueses não tem médico de família. Mas ninguém bate o ministro da educação quando se fala de humilhar publicamente a sua gente. Ciente que não há maneira melhor de motivar os professores, Nuno Crato não achou interessante arranjar dinheiro para pagar aos professores do ensino artístico, não julgou pertinente dedicar umas semaninhas de julho e agosto a colocar cinco mil professores contratados a tempo e horas nas escolas, mas acha primordial para a educação nacional humilhar os professores em geral e os de inglês em particular.
Não podendo implodir o ministério como desejaria, resolveu metodicamente arruinar a dignidade daqueles que dia após dias tentam formar as gerações futuras. Há dois anos teve a genial ideia de comprar à universidade de Cambridge uns exames de Inglês que os alunos do 9.ºano fariam facultativamente e que serviriam para atestar o seu nível de proficiência, em inglês. Tudo anunciado com pompa e circunstância. Os professores portugueses não eram suficientemente competentes para atestar o que quer que fosse, tinha de ser Cambridge. Para provar a seriedade e solenidade da coisa, os testes foram feitos a lápis (imposição de Cambridge) e quem quis o certificado teve de pagar 25 euros, que em matéria de negócios e seriedade não há como os ingleses. Entretanto os resultados apareceram nas escolas um mês depois das notas de final de ano saírem. Foi comovedor!
No entanto, Crato ainda não estava satisfeito quanto ao nível de moralização das suas tropas e este ano foi mais longe. Como os ingleses, apesar de receberem bem do ministério e de quem lhes quis pagar pelo carimbo, não estavam para ter a canseira de corrigir testes dos portuguesinhos mandaram dizer que este ano não corrigiam testes nenhuns, mas também não admitiam que outros os corrigissem, porque eles acham que os professores de inglês, licenciados pelas universidades portuguesas, não têm competência técnica para corrigir um teste de inglês dum aluno do 9.ºano.
Perante isto, o que fez o governo de Passos Coelho? Mandou dizer aos ingleses que não havia problema nenhum, pois obrigaria os professores portugueses a corrigir gratuitamente o teste de inglês que Cambridge mandava pelo correio. E para que os ingleses notassem bem em quanta desconsideração tem os professores portugueses, o ministério de Nuno Crato anunciou que obrigará os professores de inglês a frequentar uma ação de formação para adquirir a competência de… corrigir uns testes de inglês do 9.º ano. Cambridge acha que os nossos professores de inglês são tão burrinhos, mas tão burrinhos que não sabem aplicar a correção da prova que eles nos vão enviar a troco duns valentes euros. Na verdade, recebem a dobrar para fazer duas coisas que uma criança de 10 anos era capaz de fazer: fotocopiar uma prova e ensinar a aplicar a correção da mesma prova enquanto os portugueses trabalham de graça e deixam de dar aulas aos seus alunos para satisfazer caprichos do ministro (onde é que estão as associações de pais tão diligentes quando há greves de professores? Onde estão os superiores interesses dos alunos que agora já podem ficar sem aulas?). Like a slave!

Como já escrevi noutras ocasiões, a humilhação é uma coisa que se estranha, mas rapidamente muitos entranham. Na última década, os sucessivos ministros da educação amoleceram a consciência ética e profissional de muitos docentes. Talvez por isso os professores de inglês estejam pouco acompanhados na sua luta, um pouco à imagem dos professores na sociedade portuguesa, mas é na sua coragem e determinação que eu deposito a esperança dum país bem melhor.

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