GABRIEL VILAS BOAS |
Se há coisa que pessoas cansadas, desiludidas e
desesperançadas precisam é de se sentirem humilhadas. Nesse particular, podemos
estar descansados que aqueles que nos governam não têm deixados a humilhação
por terras alheias.
A dose tem sido tão… cavalar que o Jean-Claude Juncker
já pediu aquelas hipócritas desculpas, próprias dum qualquer engomadinho de
Bruxelas, mas PPC logo declarou, todo indignado, “não tem nada que se sentir
mal, nós andávamos precisados dumas palmadas assim, que esta coisa de andar com
as costas direitas não é coisa lá muito portuguesa”. E nós lá engolimos em seco
mais uma indignidade que nos fizeram passar.
Antes já o ministro dos Negócios Estrangeiros tinha
pedido desculpa ao governo mais corrupto de África porque, em Portugal, alguns
juízes teimavam em investigar suspeitas de corrupção de alguns dirigentes desse
país rico em petróleo, diamantes e que fala português. O mesmo ministro que
anda a sensibilizar os seus homólogos a europeus a favor da Guiné Bissau, cujo
governo assaltou o poder e não foi reconhecido como legítimo. Mas entretanto,
no Palácio das Necessidades já se esqueceram disso. Como se esqueceram de se
opor à entrada, na CPLP, dum país que fala francês e vive em ditadura.
Entretanto em Timor alguns cidadãos portugueses que exerciam, com a coluna na vertical, a difícil missão de julgar foram expulsos do país que ajudámos ser livre e independente, sem que o nosso governo pedisse umas meras explicações às autoridades timorenses.
Entre portas, o ministro da saúde acha perfeitamente
possível pagar milhões a instituições privadas de saúde ao mesmo tempo que um
milhão de portugueses não tem médico de família. Mas ninguém bate o ministro da
educação quando se fala de humilhar publicamente a sua gente. Ciente que não há
maneira melhor de motivar os professores, Nuno Crato não achou interessante
arranjar dinheiro para pagar aos professores do ensino artístico, não julgou
pertinente dedicar umas semaninhas de julho e agosto a colocar cinco mil
professores contratados a tempo e horas nas escolas, mas acha primordial para a
educação nacional humilhar os professores em geral e os de inglês em
particular.
Não podendo implodir o ministério como desejaria,
resolveu metodicamente arruinar a dignidade daqueles que dia após dias tentam
formar as gerações futuras. Há dois anos teve a genial ideia de comprar à
universidade de Cambridge uns exames de Inglês que os alunos do 9.ºano fariam
facultativamente e que serviriam para atestar o seu nível de proficiência, em
inglês. Tudo anunciado com pompa e circunstância. Os professores portugueses
não eram suficientemente competentes para atestar o que quer que fosse, tinha
de ser Cambridge. Para provar a seriedade e solenidade da coisa, os testes
foram feitos a lápis (imposição de Cambridge) e quem quis o certificado teve de
pagar 25 euros, que em matéria de negócios e seriedade não há como os ingleses.
Entretanto os resultados apareceram nas escolas um mês depois das notas de
final de ano saírem. Foi comovedor!
No entanto, Crato ainda não estava satisfeito quanto
ao nível de moralização das suas tropas e este ano foi mais longe. Como os
ingleses, apesar de receberem bem do ministério e de quem lhes quis pagar pelo
carimbo, não estavam para ter a canseira de corrigir testes dos portuguesinhos mandaram
dizer que este ano não corrigiam testes nenhuns, mas também não admitiam que
outros os corrigissem, porque eles acham que os professores de inglês,
licenciados pelas universidades portuguesas, não têm competência técnica para
corrigir um teste de inglês dum aluno do 9.ºano.
Perante isto, o que fez o governo de Passos Coelho?
Mandou dizer aos ingleses que não havia problema nenhum, pois obrigaria os
professores portugueses a corrigir gratuitamente o teste de inglês que
Cambridge mandava pelo correio. E para que os ingleses notassem bem em quanta
desconsideração tem os professores portugueses, o ministério de Nuno Crato
anunciou que obrigará os professores de inglês a frequentar uma ação de
formação para adquirir a competência de… corrigir uns testes de inglês do
9.º ano. Cambridge acha que os nossos professores de inglês são tão burrinhos,
mas tão burrinhos que não sabem aplicar a correção da prova que eles nos vão
enviar a troco duns valentes euros. Na verdade, recebem a dobrar para fazer
duas coisas que uma criança de 10 anos era capaz de fazer: fotocopiar uma prova
e ensinar a aplicar a correção da mesma prova enquanto os portugueses trabalham
de graça e deixam de dar aulas aos seus alunos para satisfazer caprichos do
ministro (onde é que estão as associações de pais tão diligentes quando há
greves de professores? Onde estão os superiores interesses dos alunos que agora
já podem ficar sem aulas?). Like a slave!
Como já escrevi noutras ocasiões, a humilhação é uma
coisa que se estranha, mas rapidamente muitos entranham. Na última década, os
sucessivos ministros da educação amoleceram a consciência ética e profissional
de muitos docentes. Talvez por isso os professores de inglês estejam pouco
acompanhados na sua luta, um pouco à imagem dos professores na sociedade
portuguesa, mas é na sua coragem e determinação que eu deposito a esperança dum
país bem melhor.
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