segunda-feira, 9 de março de 2015

ESTRANHAS ESTRIDÊNCIAS

CLARA CORREIA 
Pensar ou dizer que estamos na era tecnológica “já era”! … tal é a banalidade, e a variedade, de meios que, supostamente, nos aproximam de tudo e de todos. Está visto que passámos a ser seres irremediavelmente agarrados aos ditos “gadgets high-tech”; e se, por horrível e inimaginável contingência, nos vemos privados do nosso fiel e inseparável “smart-phone”, por exemplo, “cai o Carmo e a Trindade” e cai a seguir a nossa aparente tranquilidade, como se estivesse, antes, assegurada por uma espécie de info-soro a nutrir, em frequência “non-stop”, a nossa ânsia de mais e mais informação, a mais e mais velocidade, com menos e menos noção da ilusão de aproximação de tudo e, sobretudo, de todos! … E nós vibramos com cada novidade em tecno-artefactos, ao ponto de, em vésperas da aparição comercial dos ditos, formarmos., felizes, uma corrente humana em que o elo mais fraco será o que, eventualmente, não tiver levado um abrigo (qual caracol com o seu albergue 
às costas), para, com paciência de Jó (ou de caracol, precisamente), aguardar que lhe chegue às mãos o cobiçado e idolatrado “gadget” … caso sobreviva, como invasor, à invasão de outros invasores do templo do bendito consumo dos sacrossantos “respiradouros” para a(s) realidade(s): a real (às vezes), a que nos é imposta ou sugerida, a que seleccionamos, a que imaginamos ou deturpamos, a que nos asfixia (muitas vezes) o bom senso, o equilíbrio na gestão do tempo e, principalmente, de nós próprios.

Por incrível que pareça, não parece incrível a conclusão de um estudo que revela a crescente insensibilidade auditiva dos ouvidos expostos constantemente aos “phones”, como se estes garantissem a validação anímica dos que não permitem o improviso dos imprevistos estímulos do dia, feito de sons urbanos e vozes humanas, certamente, mas também, eventualmente, de surpresas da Natureza surpreendentemente a sugerirem que, em redor, há vida … no canto dos pássaros, no restolhar das folhas, no sussurro do vento, e até vida no som do silêncio, essencial à vida psíquica. Um mundo (“o” mundo) à nossa volta ignorado porque menosprezado por quem desperdiça os próprios sentidos e até o sabor dos alimentos e da companhia à sua frente, à medida que os olhos de um e de outro rareiam na mira do olhar… um mundo que a própria criatividade não reconhece na ausência de oportunidade de interpretação dos sons não detectados pela progressiva diminuição auditiva, mas, sobretudo, rejeitados pela falta de acuidade selectiva da audição que, naturalmente, não os identificará ou considerá-los-à estranhas estridências. 

Substituamos, pois, mais vezes, a tecnologia pela proximidade real (não virtual) dos outros e pela companhia do nosso próprio pensamento e deixemo-nos levar no dorso do cavalo, sempre veloz, da imaginação.

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