sábado, 14 de março de 2015

AQUI HÁ GATO

JORGE NUNO
pouco mais de um ano li uma deliciosa história, vindo do Oriente, e atribuída ao mestre Zen Goso Hoyen, mencionado diversas vezes por Osho – mestre espiritual indiano, professor de filosofia e conferencista –. 

Reza então o seguinte: O filho de um ladrão, ao ver que o pai estava a ficar velho e não poderia prosseguir por muito mais tempo aquela “arte”, pediu-lhe que o ensinasse, para que houvesse continuidade nos negócios. O pai terá concordado e saíram ambos para assaltar uma casa, naquela mesma noite. 

Chegados à casa, o experiente larápio disse ao filho, enquanto abria uma arca – Mete-te aqui dentro e escolhe a roupa que quiseres –. Assim que ele entrou na arca, o pai fechou a tampa e trancou-a, impedindo o rapaz de sair. Como se isso não bastasse, o pai fez imenso barulho, com o propósito de acordar os moradores e depois saiu, sorrateiramente, em silêncio.

Compreensivelmente aterrado, o rapaz procurou uma forma de se livrar daquela situação e lembrou-se de imitar um gato. Perante o barulho anormal, seguido do miar do gato, o dono da casa disse à criada para ir ver o que se passava naquele compartimento. Ela aproximou-se da mala, de candeia em punho, e mal abriu a tampa o rapaz soprou a chama da candeia e fugiu, indo os moradores atrás dele. Ao ver um poço junta à estrada, o rapaz pegou num pedregulho, atirou-o para dentro do poço e escondeu-se próximo, a coberto da escuridão, enquanto os perseguidores pareciam conformados e satisfeitos com o afogamento do ladrão.

Chegado a casa, o rapaz mostrou toda a sua fúria pela atitude do pai, que tinha colocado em risco a sua vida, e quando se esforçava para explicar o que lhe tinha acontecido, o pai diz-lhe – Não precisas de me dar pormenores. Se estás aqui é porque aprendeste o ofício!

Lembra-me também o comentário cáustico à “parábola do bom e do mau ladrão” no Calvário, em que não poderia haver bom ladrão, pois ambos tinham sido crucificados. Se era bom ladrão porque mostrava não só arrependimento e fé, mas também sentimentos de justiça, caridade e até de coragem, deixava de o ser por ter sido apanhado.

Transportando para os dias de hoje, estamos a viver momentos conturbados, em que há um desacreditar total na política e nos políticos. Viu-se o que aconteceu com os defensores da democracia a quererem impor a democracia a outros povos, com culturas muitos diferentes, as quais aceitam naturalmente a autocracia, a oligarquia, a teocracia... Depois da borrada feita, é confrangedor ver o enorme e inglório esbanjar de recursos, materiais e de vidas humanos, para tentar – pela força das armas – dar um novo rumo ao planeta. 

É confrangedor observar o exemplo de muitas democracias ocidentes que se estão a tornar em verdadeiras cleptocracias - que literalmente se designa por “Estado governado por ladrões”, em que ainda relativamente jovens, alguns têm engenho e arte para aprender depressa e sem ser necessário a intervenção do mestre! E como é confrangedor observar que muitas vezes temos a atitude daquela criada, de candeia na mão, a abrir a arca, a facilitar… distraídos com o miar forjado do larápio, e deixamo-lo sair, sorrateiramente, como um bom ladrão, que nem arrependimento mostra. Apenas deixamos transparecer, com alguma candura – Aqui há gato!

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