GABRIEL VILAS BOAS |
Há uma certa tendência portuguesa para fazer de Calimero, ou seja, para estar permanentemente a lamentar a má sorte. Esta doença de personalidade não há meio de desaparecer e já tomou conta de muitos daqueles que têm responsabilidades públicas.
Vem isto a propósito da anunciada debandada dos militares americanos da Base das Lajes, na ilha Terceira, nos Açores. Perante o inevitável choque económico que a partida dos americanos acarretará, os nossos governantes aproveitaram para choramingar. Que os americanos são uns malandros, que isto não se faz, que contávamos com eles para sustentar a ilha, que isto do acordo foi mal feito, que fomos apanhados desprevenidos… Uma choradeira pegada e ridícula, que amesquinha ainda mais a autoestima nacional.
Os americanos vão embora? Pois estão no seu direito. Podemos lamentar, assinalar o constrangimento económico e social que a sua partida provocará, mas há que manter a dignidade e não fazer tristes figuras.
Deveríamos ter pensado, com antecedência, num plano alternativo ao investimento militar norte-americano na Terceira, porque esta situação já há muito era previsível. O tempo da guerra fria já é do século passado e este desinvestimento militar era mais do que expectável. Governo regional e governo central deviam ter planeado uma reorganização económica da ilha de maneira a torná-la, pouco a pouco, menos dependente da Base das Lajes, ainda que esse plano só pudesse ser implementado agora. Não o fizeram, agora choramingam indignamente.
Outro exemplo deste tipo de atitude é a atual situação nas urgências hospitalares, sobre a qual já escrevia na semana passada. O problema era previsível, mas os responsáveis pela saúde em Portugal preferiram confiar na sorte, talvez para agora lamentar a sua falta. Detesto esta atitude, especialmente na vida pública. É um desleixo assumido, uma fraqueza de personalidade perfeitamente evitável.
Eu sei que em Portugal há muitos adeptos do adágio popular “quem não chora não mama!”, mas a análise fria dos factos prova que raramente isso foi solução. A solução para os pequenos e grandes problemas com que nos confrontamos diariamente é, em primeiro lugar, antecipá-los, depois apreciar racional e objetivamente as possibilidades e resolver o problema e, finalmente, aplicar a terapia adequada. Sem medo de falhar, sem hesitações, sem contemplações perante suscetibilidades. Nem sempre resolveremos as situações por completo, nem sempre ficaremos satisfeitos com a solução encontrada, mas é muito melhor ter uma solução menor do que não ter solução nenhuma.
Penso que tão lamentável atitude tem a sua origem em dois defeitos perfeitamente anuláveis: a falta de confiança própria e uma certa preguiça para fazer o que se deve a tempo e horas.
Há poucos dias, Cristiano Ronaldo referia que uma das maiores diferenças que detetava entre portugueses e pessoas doutras nacionalidades era a falta de confiança nas suas qualidades. Acho que esta falha radica no facto de sempre acharmos que o que é estrangeiro é que é bom. Por outro lado, nunca contrariámos a tendência para só fazer o que temos de fazer quando as circunstâncias a isso nos obrigam, ou seja, sempre in extremis.
É possível e desejável fazer diferente. Os defeitos coletivos são sempre os mais difíceis de contrariar, mas choramingar nunca foi virtude.
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