Jorge Nuno |
Já na rua, bem agasalhado, sozinho, começo o meu habitual passeio pedestre, que tanto pode ter de saudável como de doentio – quando em esforço, ultrapasso a dúzia de quilómetros –. De repente, sinto um arrepio eletrizante na coluna, que se expande em frações de segundo por todo o corpo. Não, não é influência do intenso frio nesta manhã de inverno. Apenas o relance do sonho quase a esfumar-se e, que com algum esforço, tento recuperar, depois de ter acordado há uma hora atrás. Havia uma aranha negra a trabalhar a sua teia e muito dinheiro a voar. Viam-se euros, yenes, libras esterlinas, dólares americanos, riais sauditas, rublos, yuans, francos suíços, shekels e papel-moeda de muitos outros países. A movimentação do dinheiro não era desordenada, como no caso da noite de Natal em Hong Kong, quando se abriram as portas traseiras de um carro de transporte de valores, com quase quinze milhões de dólares americanos, espalhando as notas por uma movimentada avenida e que muitos aproveitaram para recolher e, honestamente, entregar às autoridades, enquanto que outros, embora não comemorando o Natal, terão pensado tratar-se de uma ”prenda” que podiam levar para casa. A movimentação das notas era algo semelhante a um tapete voador, das histórias das “Mil e Umas Noites”. As notas voavam ordenadamente, como quem não tem pressa de chegar, com uma direção precisa, num único sentido, ondeando ligeiramente, sendo mais evidente nas pontas.
Durante o percurso, costumo fazer uso da contemplação, no contacto com a natureza, e vou tirando algumas fotos para reter o que vejo de interessante e de agradável, numa tentativa, natural, de começar o dia a relaxar, procurando abster-me das notícias desagradáveis com que sou bombardeado diariamente e que me provocam irritação… mas, por momentos, não resisto: vem-me à mente a falta de capacidade dos Serviços de Urgências dos Hospitais, onde morrem pessoas por falta de assistência e as declarações da DGS num dos balanços da gripe, onde se ficou a saber terem morrido mais 1900 pessoas nas duas primeiras semanas do ano do que em igual período do ano passado, denotando o SNS estar a acusar os cortes e a evidenciar falta de meios, conduzindo ao recurso das urgências do setor privado.
Consigo desviar a atenção das “desgraças”, ao parar junto de uns arbustos – azevinho – sentindo-me deliciado com as folhas mescladas de verde e branco (de um pouco de neve que ainda restava) e o contraste das bagas vermelhas. Prossigo a caminhada, numa passada tão vigorosa quanto o trilho e o físico permitem, e vem à mente o sonho com o dinheiro a voar. – Mas o dinheiro nem era meu!... – penso, quase numa tentativa de voltar a desviar do pensamento o que queria evitar. Depois, volta à baila a aranha negra. Pensando bem, afinal, parece-me que não haverá motivos para ficar preocupado, pois as aranhas podem assustar… mas o seu simbolismo, no sonho, está associado à criatividade, que algo me poderá estar a inspirar, pelo que devo corresponder a esses impulsos criativos. E ver a aranha a tecer a teia poderá significar que serei recompensado pelo meu esforço. Sinto-me um pouco mais tranquilo e lembro-me de um pequeno texto que escrevi em 2012, pondo-me a recitá-lo alto, enquanto caminho.
“A ARANHA
Estes aracnídeos são feios, assustam, matam.
Estes aracnídeos repugnam.
Sabem produzir seda para a construção das teias.
Sabem como construir teias.
Sabem como construir teias resistentes.
Sabem como construir teias resistentes a climas adversos.
Sabem esperar pelas vítimas.
Os membros do Clube de Bilderberg também.”
Volta tudo à primeira forma, pois dá-se um clique e lembro-me do dinheiro a voar no sonho e junto as peças do puzzle, com o Clube de Bilderberg – o clube secreto, como sendo a “mão invisível” dos poderosos que operam na sombra e controlam e orientam decisões em todo o mundo. Alega mesmo a jornalista e escritora sevilhana, Cristina Martín Jimenez, depois de exaustiva investigação, que se deu um ataque financeiro planeado a Portugal e que há uma intenção clara, daqueles, em contribuir para que se retire aos países a capacidade decisora (leia-se: perda de soberania), esvaziando o poder democrático.
Há quem não tenha dúvidas que Dominique Strauss-Kahn, ex-diretor-geral do FMI, nomeado para o cargo após indicação do Clube de Bilderberg, foi vítima de uma conspiração construída ao mais alto nível por se ter tornado uma ameaça crescente aos grandes grupos financeiros mundiais. As suas declarações, como a necessidade de regular os mercados e as taxas de transações financeiras, assim como uma distribuição mais equitativa da riqueza, assustaram os que manipulam, especulam e mandam na economia mundial, tornando-se, por isso, a sua “sentença de morte”. Através do relatório da ONG britânica Oxfan, certamente saberia que os oitenta mais ricos mundo têm tantos ativos como os 3,5 mil milhões de mais pobres (recentemente, é indicado que em 2016 o 1% mais rico terá mais de 50% dos ativos existentes no mundo); que os setores que mais cresceram e que compõem a riqueza do 1% são, fundamentalmente, os das finanças, dos seguros, seguindo-se os da saúde (serviços médicos e indústria farmacêutica), que investem muito em lobbying; saberia que, através de um órgão das Nações Unidas, a riqueza mundial estava concentrada nas mãos de um número restrito de pessoas e que o fosso aumentava a um ritmo alarmante e que se essa renda mundial fosse distribuída de uma maneira equitativa, cada cidadão disporia de ativos na ordem dos 21 mil dólares americanos.
“Esta” democracia grega e o líder do Syriza, recém-empossado primeiro-ministro grego (mesmo fazendo uma estranha coligação com o pequeno partido nacionalista de direita “Gregos Independentes”, para ter maioria no parlamento), será fonte de enorme inspiração para cidadãos de outros países que se querem livrar das “garras opressoras”. É, simultaneamente, uma forte preocupação para aqueles que detêm excessiva importância na União Europeia e nos meios financeiros mundiais e, como tal, poderá ser um alvo a abater. É que o Alexis Tsipras fez a afronta, na campanha eleitoral, de dizer “não a mais resgates, não a mais submissão, não a mais chantagens”, quer correr imediatamente com a troika, acha que os governantes devem trabalhar em prol dos cidadãos que os elegeram e não devem desmerecer essa confiança e, ainda por cima, escolheu para ministro das finanças um economista que é conhecido pelas suas posições de recusa de mais austeridade no país. Logo após serem conhecidos os resultados, do FMI, do Bundesbank e do ministério das finanças alemão, surgiu logo a chuva de avisos que “o apoio económico externo só continua se forem cumpridos os acordos”. Logo após a tomada de posse, o primeiro-ministro grego respondeu com uma visita, cheia de simbolismo, ao monumento às vítimas dos nazis em Atenas.
Ia nas cogitações sobre as desigualdades sociais como geradoras de conflitos e nas supostas lutas religiosas… quando passo, a caminho de casa, ao lado de um “snack-tasca”, procurado tanto pela bebida como pelas saias, e vejo um conhecido sujeito, visivelmente embriagado, a cambalear, apesar de ter um braço na parede e estar a ser segurado por uma das “meninas” que ali trabalha – sujeito que já tinha visto noutra altura, igualmente naquele estado, a ser segurado por três “meninas”, que o impediam de entrar na sua velha viatura, de um vermelho descorado, cuja matrícula não lhe permitiria circular no centro da cidade de Lisboa (caso lá quisesse ir), mas que nem conseguiria avançar os oitenta metros até à primeira rotunda, tal o seu estado. Desta vez, arrastava a fala e dizia, repetidamente, para quem queria ouvir: “Abre os oooolhos muuuula! Abre os oooolhos muuuula!...”.
Que lucidez!
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