GABRIEL VILAS BOAS |
Esta semana, a revista “Kids e Teens” publicou um estudo denominado Fórum da Criança que revela um dado surpreendente (ou talvez não): cerca de dois terços dos avós ficam com os netos em casa de dia ou depois das aulas.
Foi das poucas coisas boas que a crise económica nos trouxe. Lamento que tenha sido apenas o estado de necessidade a impor esta medida e não a consciência de que esse seria sempre o caminho desejável.
Num momento em que crise económica vergastou a sociedade portuguesa impiedosamente, os avós foram o porto seguro onde mães e pais sem emprego ancoraram o sustento dos filhos.
Hoje é comum encontrarmos muitos avós com a casa cheia de netos, a alimentá-los, a comprar-lhes os livros, a roupa, um ou outro brinquedo. Alguns fazem-no com um desprendimento tão grande, com um amor tão desmedido que voltaram a passar algumas privações para atender aos filhos dos seus filhos.
E se pensarmos que a maioria dos avós portugueses já não tem a disponibilidade física e psicológica para corresponder ao ritmo de uma criança ou adolescente permanentemente ligado à corrente, cheia de aulas, atividades extracurriculares, solicitações sociais permanentes, concluiremos que não se trata duma tarefa fácil de cumprir. Qualquer pai sabe que é muito desgastante acompanhar os horários dos filhos e alguns (os poucos que podem) até têm empregada alocada às crianças. No entanto, a maioria dos avós com netos a seu cargo, não se queixam.
Silenciosamente, estes homens e mulheres de cabelos brancos sorriem aos pedidos dos filhos e fazem mais um esforço. Não negam ajuda, não marcam grandes condições, não querem qualquer compensação económica e, sobretudo, passam uma enorme borracha sobre desconsiderações passadas, faltas de atenção e respeito, em que “levar os filhos a ver os avós” era uma sensaboria, um aborrecimento enorme, que se procurava evitar com todo o tipo de desculpa.
Não deixa de ser irónico que aqueles que foram deixados pelo caminho, entregues à sua bengala e ao seu reumatismo, sejam chamados a salvar famílias à beira do colapso. Hoje, os avós não são mais entendidos como um estorvo, alguém que não percebe o “novo mundo”, mas vistos como parceiros essenciais na educação das crianças e jovens. E, finalmente, os pais perceberam como os avós são gente qualificada na arte de educar, pois têm experiência, amor, sabedoria, criatividade, paciência, tempo.
No meio da dor e do desespero, por entre gritos e divórcios, nasceram algumas flores belas e delicadas. O convívio intergeracional é fundamental em qualquer sociedade. Os tempos difíceis que atravessamos em Portugal deram-nos lições para lá da economia, dado que nos ensinaram a olhar as relações pessoais, afetivas e familiares com mais humildade e tolerância. Devíamos ter percebido antes, mas a linguagem do “in extremis” e da sobrevivência sempre foi muito cara aos portugueses.
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