segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

BANHO DE ESPUMA

CLARA CORREIA
O Tempo voa!” é a exclamação que nos voa da boca de cada vez (e não são poucas as vezes) que sentimos voar a nossa capacidade de controlar aquilo que, afinal, é tão essencial à Vida como o próprio oxigénio: o Tempo … que, diz-se (também se permite exclamar), é o que dele fazemos! Mais concretamente, admitamos que, na generalidade dos casos e das ocasiões, dizemos, ou fingimos, que é o que alguém ou alguma dita “circunstância” nos faz fazer dele (do Tempo, claro está!) … ou não fosse absolutamente instintiva a atracção pela comodidade! Ai, a espuma da vitimização é quase tão boa de embalo como a espuma dos dias! Não que estejamos a falar, por exemplo, do tipo de embalo do caminhar da garota de Ipanema, de Jobim … não! Até porque a natureza anestésica própria do movimento embalatório não é propriamente a mesma na comodidade do recurso à vitimização, na espuma dos dias “todos diferentes e todos iguais”, e na líbido emergente em quem segue, pelo Tempo e pelo mundo fora, os passos sexy da garota que o mundo tomou de Tom. 

Implacável é sempre o Tempo … intransigente ao ponto de não se compadecer com o nosso desesperado desejo de o deter de uma vez, de cada vez que o percepcionamos esquivo e fragmentado em momentos cuja preciosidade precisamos como de pão p´rá boca. É que, ocasionalmente (mais vale ocasionalmente do que nunca), até percebemos que, afinal de contas, o Tempo só é o que fazemos dele quando tudo fazemos para ter tempo para fazer dele o que queremos que ela faça de nós e por nós. E essa intenção não se compatibiliza nem se compadece mesmo nada com a acção corrosiva para o pensamento da espuma dos dias e dos deveres, da névoa dos compromissos e das obrigações a (não) caberem nas duas dúzias de horas diárias … a menos que, de vez em quando, por um momento, obriguemos, dê lá por onde der, alguém ou alguma circunstância a ceder-nos tempo para, por exemplo, um generoso café, saboreado com a generosidade que lhe é devida, ou mesmo um banho de espuma … na espuma dos dias que, sem tempo que não seja para rotinas “todas diferentes e todas iguais”, nos banham em abundância de obrigações, na escassez de momentos preciosamente eternos, como um simples e raro banho de espuma que, eventualmente, até nos salvará de espumar de raiva (ou de qualquer outro comportamento passível de arrependimento) para com quem, certamente, nem merecerá!

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