SARA MAGALHÃES |
Depois da folia do carnaval, hoje tem início, para os cristãos, a Quaresma. São 40 dias de caminho, a fazer caminho, a viver o caminho.
São várias as referências bíblicas referentes ao número 40: os Hebreus caminharam 40 anos no deserto para só depois alcançarem a Terra Prometida; foram 40 anos de vida dura, sacrificada, de purificação da idolatria; Moisés permaneceu 40 dias no Monte Sinai antes de receber a Lei, em oração e penitência diante da majestade de Yhavé; Elias caminhou 40 dias no deserto para chegar ao monte de Deus; Jesus Cristo jejuou 40 dias no deserto antes de iniciar a sua vida pública.
A Quaresma é um tempo de caminhada, de reflexão, de conversão interior. Durante este período os cristãos vivem, ou deveriam viver, de uma maneira especial a sua relação com Deus e com os outros.
No entanto, a maioria das pessoas, já não entende palavras tais como: conversão, penitência, jejum, oração… A Quaresma tem todas estas palavras no caminho. Mas nestes tempos modernos, parece que todas estas palavras e o que elas implicam já não fazem sentido. As manifestações da fé, para o cristão atual, passa pelo individualismo, privado, fugindo da referência histórica de Jesus Cristo. O mesmo Jesus Cristo, que pelo caminho que fez, amou incondicionalmente o ser humano e nesse mesmo caminho Ele próprio viveu a oração, o jejum, o amor e o perdão.
Para mim, este caminho de 40 dias, através da oração, do jejum, do amor e da reconciliação é: caminhar ao encontro deste Cristo, apesar das dúvidas e dos sofrimentos; é acolher a eternidade numa vida cheia de mortes, e vislumbrar, apesar dos meus insucessos e dos meus medos, a vida nova e o mundo novo em que nada, nem as lágrimas nem o pecado, me poderá separar do amor de Deus. Caminho em direção a Cristo e quero ir até ao fim do amor e do dom de si, na certeza de que o perdão e a reconciliação podem vencer os ódios, a desconfiança e a exclusão; que a solidariedade e a partilha podem ultrapassar as barreiras dos egoísmos e das injustiças que a humanidade enfrenta.
Espero acolher na minha vida o Reino de Deus que torna todas as coisas novas, e abrir-me a um mundo novo cheio de amor vivido em atos e em verdade.
“Senhor,
que sabes quem sou,
sabe
lá também o resto:
Sabe
lá que o meu protesto
não
é isto que tu vês...
Não
é isto...
Nem
a facada no teu filho Cristo...
Nem
o pranto que tens visto
correr
em lava a teus pés...
Não
é isto,
nem
o sonho de BabeI...
Nem
o bombo que fiz da minha pele...
Nem
o Credo num Deus que me
perdeu...
Foram
gestos que passaram
pelo
meu corpo, e roubaram
um
perfume que julgaram
que
era meu...
Não
é isto, nem aquilo
que
um mocho a cantar de grilo
te
mandou como um sinal
da
grande dor que me dói...
Só
é sinal do meu todo
esta
elegia de lodo ,...
que não foi...
Não
é isto,
nem
o muito que há-de vir:
O
sarro que há-de sair
da
vasante da maré...
O
fundo do mar é sujo...
Mas
nos olhos do marujo
não
se vê...
Não
é isto, nem é nada
que
chegue à tua morada
sem
a minha assinatura,
que
sou eu...
Eu,
esta ovelha ranhosa
que
remói silenciosa
a
lembrança dolorosa
do
pastor que lhe bateu...” in de profundis, Miguel Torga
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