JORGE NUNO |
Há pouco tempo vi a notícia que “a RTP apoia o remake de três filmes portugueses
clássicos: Pátio das Cantigas, Canção de Lisboa e Leão da Estrela.” Guardo uma
boa lembrança de gags memoráveis nesses
filmes, com atores de primeira linha. Ficou retida, para sempre, uma cena do “Pátio
das Cantigas”, na “loja do Evaristo”, em que o Vasco Santana, no papel de
Narciso, chegava à porta, pegava nos rolos de papel higiénico e dizia para o
António Silva – o dono da loja: – “Oh Evaristo, tens cá disto?” –. Por que será
que nunca nos cansávamos de ver as mesmas cenas desses filmes, mesmo que os
passassem insistentemente na televisão? E por que será que não achamos piada
nenhuma a outras cenas que se repetem diariamente na nossa vida coletiva, que
entram pela nossa casa dentro, através da televisão, e que sentimos na “pele”?
Preocupado com o rumo que o mundo está a tomar, foi
com natural curiosidade e interesse que li o livro “2032 A Nova Idade do Ouro –
Uma Esperança Real para os próximos 20 Anos”. A autora – Diana Cooper –,
descreve neste livro qual “será a evolução do mundo até ao ano de 2032,
data-chave em que cada um de nós participará na ‘limpeza’ do planeta (…)” e
afirma que em “apenas 20 anos, o mundo estará irreconhecível. Deixarão de
existir governos e instituições financeiras, os telemóveis e a Internet
tornar-se-ão dispensáveis e a consciência coletiva da humanidade será tão
poderosa que reinará sobre a Terra a paz e a cooperação.” – Ora aqui está um
bom plano de intenções para este planeta, restando saber se somos capazes de o
cumprir – pensei de imediato, numa altura em que ouço o romancista alemão
Günter Grass, prémio Nobel da Literatura, lamentar “que haja na Europa uma
falta de líderes capazes de manter a paz” e questionar se “a III Guerra Mundial
não terá começado” embora de “forma distinta dos conflitos do século XX”, pois
atualmente a internet "permite o bloqueio de sistemas completos", que
levam a guerras económicas, “paralelamente aos conflitos bélicos como os que
observamos na Ucrânia, Síria e outros países".
Reflito sobre o livro e sobre a notícia e ocorre-me, de imediato, a maior falência nos Estados Unidas da América – Lehman Brothers Holdings Inc. – um banco de investimentos e provedor de serviços financeiros, cuja falência, em 2008, foi desvalorizada e teve consequências desastrosas em todo o mundo, incluindo no “Velho Continente”. A seguir, como os dois anteriores governos resolveram o problema de bancos portugueses com dinheiro dos contribuintes e, mesmo assim, não evitaram a “queda” do BPP- Banco Privado Português, do BPN – Banco Português de Negócios e do BES – Banco Espírito Santo, com consequências gravosas para depositantes e pequenos investidores.
No sentido de dar visibilidade e transparência a
várias atividades, tanto bélicas como económicas, através da denúncia, foi
criado o WikiLeaks, sendo o
australiano Julian Assange um dos nove membros do conselho consultivo,
editor-chefe e porta-voz do WikiLeaks,
baseando-se alguma informação divulgada através do trabalho de hackers. Por essa atividade, digamos
ilegal, foram-lhe atribuídos o Sam Adams
Award e o Index on Censorship do The
Economist em 2008, foi considerado o "homem do ano" pelo jornal
francês Le Monde em 2010, e em 2011 o
seu nome consta na revista Time, como
“um dos 100 mais influentes do planeta”, sinal que a informação tem um papel
importante na humanidade.
Por contágio, surge o TugaLeaks – “órgão de comunicação social que publica informações
que não são divulgadas pelo mainstream
media”, dizendo que se pautam “pela liberdade de opinião e de informação
bem como apreciamos o poder de cada cidadão em contribuir ativamente para uma
notícia”, sendo feitas denúncias regulares, nesse site, de situações
supostamente anómalas. Contudo, não seria preciso o TugaLeaks para relançar, por exemplo, a questão do arquivamento do
“Caso dos Submarinos”, em que o Ministério Público evidenciou dificuldades na
obtenção de prova quanto “à circulação e ao destino final do dinheiro pago pelo
construtor alemão à ESCOM”, mesmo sabendo-se quem usufruiu de 27 milhões de
euros, distribuídos por um número restrito de pessoas, quem foram essas
pessoas, e que só foram declarados ao fisco pouco mais de 10 milhões – o resto,
terá sido encaminhado “via ESCOM UK/BES Cayman/UBS para um fundo nas Bahamas, o
Felltree Fund”, segundo a Visão n.º 1144, de 2 a 11/2/2015.
A propósito de Portugal, a Diana Cooper refere no citado livro: “As pessoas aqui, como em muitas partes da Europa, estão desiludidas com a corrupção moral dos seus líderes e empresas. Elas começam a questionar e esse aumento de consciência exigirá mudança”.
Muito recentemente, deu-se um escândalo financeiro
de repercussão em todo o mundo, que envolve a filial suíça do banco HSBC – um banco britânico, com sede em
Londres e subsidiárias em todo o mundo –, despoletado por documentos secretos, ficando
a saber-se que “a instituição financeira atraiu 106 mil clientes, entre
suspeitos de ocultar dinheiro / fuga ao fisco e de diversos crimes (incluindo
traficantes e terroristas) em 203 países, entre os anos de 1988 e 2007”. O caso
foi apelidado de “Swiss Leaks” (também numa alusão ao WikiLeaks) e mostrou-nos
uma “imaculada” Suíça como a maior lavandaria de dinheiro do mundo, que agora
treme com a intensidade de um forte terramoto, com muitas réplicas. Devido a
fortes pressões internacionais, a gigantesca UBS – União de Bancos Suíços
viu-se obrigada a quebrar a promessa de segredo bancário dos seus clientes,
podendo fazer desmoronar completamente todo o sistema, quando os depositantes
estrangeiros constatarem que o seu “nome” não tem garantias de ficar oculto,
nem dos seus herdeiros de levantarem as respetivas fortunas, tanto na Suíça
como noutros paraísos fiscais.
Pelos jeitos que isto leva, em termos de sistema
financeiro, provavelmente as profecias de Diana Cooper irão realizar-se dentro
do prazo previsto. Também o remake
dos tais três filmes clássicos poderá dar um contributo para tal. Como deixaram
transparecer, no remake do filme
“Pátio das Cantigas”, que a loja do Evaristo será agora uma loja gourmet, ocorreu-me deixar aqui uma
sugestão e dar atualidade à emblemática cena da “Canção de Lisboa”, no Jardim
Zoológico de Lisboa, com o patusco, boémio, cábula e falso doutor de girafas,
leões e de outros animais – Vasco Leitão –. Que essa cena se faça em frente à
Procuradoria-Geral da República, com o ator substituto do papel do Vasco
Santana a dizer, repetidamente:
– “Leaks há muitos, seu palerma”!
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