sábado, 7 de fevereiro de 2015

DO PASSADO SEM TEMPO NEM MEMÓRIA

JOSÉ E. QUEIRÓS
As vivências ascendem da terra como os lírios do jardim, aportam saberes dispersos nas vagas do tempo, despertam emoções solitárias perdidas na clausura do peito, temperam as multímodas faces da existência, acrescentando valor às repartições polares dos vapores mais densos desabridos em volutas, na voragem das combustões que as consomem. 

Sentindo, pressentindo ou não o sentido e sem sentido, consentindo, desejado e improgramado na paridade do outro, construído na circunstância a que o mundo nos leva em rumos cegos e sem cartas de marear, descobrimo-nos marinheiros de um extenso e profundo mar salgado. Desocultando remotas praias tropicais de nós mesmos, desbravamos sombrias veredas e rasgamos estranhos véus e intemporais memórias que dissimulam esquecidos dobrados estados feitos de sombras e penumbras com que são preenchidas as catedrais da alma humana. 

Os tempos chãos solventes, edificados pedra-a-pedra num sopro original, moldam crentes e não crentes, errantes e desconformes, em imperceptível massa informe de carbono e luz, demovendo espectros universais ao mundo em desatino clamando pela divina mão do Bálsamo redentor.

És a doçura da essência sem fronteiras que convoca à comunhão fraterna, sem aferição nem consciência de quem somos e por que assim somos. Imprópria dos tempos é a negação com que desconvocamos as solidárias partilhas ausentes dos terríficos campos da discórdia, da posse e dos territórios de ninguém, prolongando o estado sonambúlico além-poente, entre os escombros de um mundo ilusório e denso entregue às rapinas que desejam a queda e o prostrado cadáver moribundo.

De nada servem outras conquistas flamejantes que levas pelo mundo em louros e troféus, mesmo que as luminárias dos palcos e dos pódios ofusquem a dupla face com o chão lavrado a golpes marciais vertidos em campos estéreis onde o sol não penetra nem desponta o capim. Antes descoberta a esteira do amor latente e compassivo, emergente de algum passado sem tempo nem lembrança, sem julgamentos nem impulsos que rasguem o ventre semelhante ou lancetem o coração do arqueiro.

São pesadas as travessias oceânicas e longas as viagens que remarcam dolorosas partidas em que se prolongam os destinos para além das vontades que cresceram juntas, alimentadas no desejo pacífico de fundir as margens atlânticas do corpo esfumante em ascensão. Correntes inauditas lançadas na braveza ciclópica dos adamastores volatilizam os sonhos, travam as marchas e arreiam as velas, perdidas as naus e os batéis em derivas imprevistas tragando tesouros na fúria das marés. São duros e deasalmados os tempos terrenos vividos no olhos marejados das tempestades que das águas o oceano levanta.

Sem programa nem previsão, tudo é programa sem previsão talhado numa dimensão de além-terra, de além-mar e de além-tempo, tocados os olhares vagos na perda entristecida dos horizontes, solvidas as palavras à procura de seu comungado destino. Os instantes gravam em memória os apelos certos que o tempo nega e o fluxo das águas dissolve, como se pudessem não ser existentes na imprevisão revolta das ondas.

As chaves estão aí, tornando os segredos mais enigmáticos na sua desvenda quando as portas se abrem à luz e as sombras se desvanecem em luta inglória. As palavras sulcam as montanhas até aos cumes enquanto os ventos sopram serenos subindo as encostas na fraternidade do diálogo que descobriu os caminhos da superação do naufrágio e da tragédia onde se resguarda a brandura resplandecente do amor incondicional.

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