sexta-feira, 14 de novembro de 2014

VENDER A ALMA AO DIABO

GABRIEL VILAS BOAS
A tarde corria pachorrenta e fria em quase todo o território nacional e a angústia do cronista crescia, pois poucos acontecimentos ocorridos nos últimos dias provocavam a sua atenção a ponto de escrever sobre eles. No entanto, a PJ decidiu entrar em ação e fornecer um motivo dourado a esta crónica. 

Provavelmente, a PJ e o Ministério Público levaram a cabo a operação mais relevante da última década ao procederem à detenção de onze pessoas, entre as quais o Diretor Nacional dos Serviços de Estrangeiros e Fronteira, o Presidente do Instituto dos Registos e Notariado e a Secretária-Geral da Ministra da Justiça, por suspeita de corrupção, entre outros crimes, na atribuição de Vistos Gold a cidadãos estrangeiros. 

Os chamados vistos dourados, mais uma criação patrocinada pelo ministro Paulo Portas, permitem a cidadãos estrangeiros obter autorização de residência em Portugal e com isso movimentar-se no espaço Schengen, mediante o investimento de 500 mil euros em imobiliário. Os detentores destes vistos gold podem também obter a nacionalidade portuguesa ao fim de seis anos, se nesse espaço temporal criarem dez postos de trabalho permanentes e se passarem, pelo menos, sete dias por ano em Portugal. 

Dito duma maneira mais simplista: o governo português teve a brilhante ideia de fazer dinheiro, vendendo a nacionalidade portuguesa a 500 mil euros por cabeça. Pensou nos chineses, sobretudo. Pouco me importa que os espanhóis, gregos e malteses tenham feito o mesmo ou até pior; isto só tem um nome: indignidade.

Nenhuma crise económica justifica que alienemos a alma a chineses, russos ou indianos de intenções dúbias. Um país que se quer fazer respeitar não pode embarcar em processos desta natureza. 

O resultado só podia ser aquele que hoje a PJ expôs: gente muito importante na esfera do Estado português acusada de corrupção, tráfico de influências, peculato. A imagem dada do país é péssima. Perante a comunidade internacional seremos, no pior dos casos, uma espécie de fautores das máfias chinesas na europa, um país fantoche que trata como investidores premium putativos futuros criminosos e no melhor dos cenários, indignos comerciantes da identidade nacional. 

Pior do que a economia portuguesa bater no fundo é deixar arrastar pela lama o nome do país. Hoje, o nome de Portugal está a ser muito mal tratado e a principal culpa não é destes onze detidos, que, até decisão em contrário, gozam da presunção de inocência - é bom lembrá-lo -, mas de quem criou esta estratégia miserável de “sacar” uns milhões de euros a pessoas cheias de dinheiro, mas que têm muita dificuldade em justificar a sua proveniência.

Ontem à noite, na SIC, João Soares sugeria que os portugueses não se deviam sentir muito envergonhados da forma como mil milhões de euros entraram nos cofres do Estado português nos últimos meses, pois o BES Angola ia também custar uma pipa de massa aos contribuintes portugueses e o governo de Eduardo dos Santos não estava nada preocupado com a nossa dor monetária. Não sei se João Soares refletiu bem no que disse, o que sei é que, pela primeira vez em anos, tenho de concordar com o que disse Ângelo Correia, aos microfones da TSF, ao final da tarde de ontem: “Os políticos portugueses estão gastos.” 

É provável que escapemos dum ditador, mas dificilmente fugiremos dum demagogo.

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