ANTÓNIO PATRÍCIO |
Chove na minha cidade. Outubro entrou com vinho de baixo teor alcoólico e castanhas bichadas. Parece que a Natureza quer castigar os homens, já de si castigados por outros que não sabem – nunca provaram – o gosto do castigo.
Homens e mulheres padecem contritos e pagam com línguas de palmo as malfeitorias de uns quantos, sem vergonha, que continuam a encher, com parangonas avulsas e ocas de sentido, as páginas da “nossa” comunicação social. A justiça, atada de pés e mãos por correntes encamisadas a euros, diz-se impotente para solucionar o que é, de todo, solucionável houvesse independência, sentido de estado e vontade política.
Chove na minha cidade. As ruas que outrora pariam gente respiram um silêncio doentio e bafiento e, as pedras das calçadas, afagadas que eram por botas cardadas, padecem musguentas e escorregadias invadidas, que estão, por ervas daninhas.
A magia da convivência eterizou-se e o rumor do bulício esvaiu-se pela sarjeta qual enxurrada de enxovia pestilenta e purulenta.
Chove na minha cidade. Os estabelecimentos comerciais cumprem horários, mas, não cumprem funções, frios que estão, pela falta de aconchego humano e movimento de mercadoria. Balcões e prateleiras assistem, impávidos, ao passar das horas sem recurso ao direito de opinião e de insatisfação e, se alguns ainda têm o privilégio de receber a luz do Sol outros, porém, limitam-se a usufruir de uma relativa claridade inatural e pouco saudável.
Chove na minha cidade. Carros e bicicletas jazem nos parques e paragens sem vontade própria, sujeitas às limitações humanas…não há movimento, não há vida, tudo parece estar abraçado ao imobilismo e à inércia intelectual.
Chove na minha cidade. As pombas deambulam, nervosas, por poisos com algumas condições de abrigo e, mesmo sendo consideradas uma praga, não deixam de emprestar alguma beleza ao espaço e, por que não, alguma alegria à pequenada.
Chove na minha cidade. Almas de entes queridos que, de alguma forma, marcaram a história e reservaram o direito à lembrança, vogam pelas ruas e vielas fugindo aos pingantes inconvenientes de telhados votados ao abandono que desfiguram e desprestigiam e, nefastamente, relegam para um plano rés-ao-chão a história e a fidalguia das casas que, tão soberbamente, ajudaram a crescer e a enaltecer a urbe.
Chove na minha cidade. Janelas e sacadas de edifícios que foram a menina dos olhos da nossa gente sofrem os tormentos da negligência e da solidão erguendo o olhar ao céu na esperança de um milagre… será que algum dia voltarão a ser úteis e a desempenhar um papel digno de serviço público??...sonhar não é proibido…
Chove na minha cidade. Impotente para reverter a situação sujeito-me, ainda que contrariado e inconformado, aos desígnios da Natureza e nada mais me resta que vestir a gabardina, abrir o guarda-chuva, escolher o caminho e desviar-me dos pingantes…
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