Já estamos habituados a que os nossos líderes políticos, nacionais, europeus e até mundiais, aventem axiomas que deixam muito a desejar, não sabemos bem a troco de quê, qual o interesse que existe em soltar tais dislates, ou se consideram os cidadãos europeus, mormente os do Sul, desprovidos de capacidade de pensar... portanto, acéfalos!
A chanceler alemã e “Mestre de Cerimónias da Europa”, Ângela Merkel, proferiu na última terça-feira, dia 4 de novembro, a seguinte afirmação num tom de grande convicção: “países como Portugal e Espanha têm demasiados licenciados, o que faz com que não tenham noção das vantagens do ensino vocacional”.
A polémica frase de Merkel foi proferida durante uma intervenção numa reunião com a confederação das associações patronais alemãs, em que a chanceler alemã salientava as vantagens do ensino vocacional. No entanto, há um dado estatístico que a dita senhora tem razão em relação a Portugal, trata-se da pouca expressão que o ensino profissional representa. Ao nível do ensino secundário, a média europeia de jovens que apostam pelas formações vocacionais é de 50,3%, na Alemanha atinge os 55%, já em Portugal, os dados da OCDE relativos a 2012 indicam que a percentagem fica pelos 42,4%.
Refira-se ainda que, a fórmula da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que aponta que, por cada ano de escolaridade a mais na média da população, o Produto Interno Bruto (PIB) dos países sobe 0,5%, levando a que se Portugal tivesse uma escolaridade média idêntica à europeia, poderia ter um PIB superior em cerca de 20 pontos...
Já assistimos em Portugal, num período negro de cinquenta anos de ditadura, em que se chegou a ter a terceira classe como escolaridade mínima obrigatória e com níveis de analfabetismo muito altos, com baixíssima frequência escolar, sustentando as elites do poder de então que, um povo sem capacidade crítica, seria um rebanho manso...
Sendo a senhora Merkel oriunda do lado oriental do muro, cuja data da queda nos faz recuar cerca 25 anos, admira-me que profira com tanta leviandade certas declarações, quando sabemos que uma das características mais positivas dos povos de Leste passava pelo seu elevado nível de formação. Quem não conheceu casos de imigrantes Ucranianos que estiveram a trabalhar em Portugal, com elevados níveis de qualificações?...
A senhora Merkel foi também a responsável, não pela criação de um muro, sejamos justos, mas para o aumento de um fosso que se tem agravado durante a sua governação, entre a Europa do Norte e a do Sul. E é com menos formação, com menos cultura, que a Ibéria se vai desenvolver?... Os últimos dados do Eurostat revelam que Portugal tem apenas 19% dos adultos licenciados, face à média de 28% da Alemanha e de 32% na OCDE... Saliente-se ainda que, os alunos com cursos Profissionais apresentam uma taxa de empregabilidade de 70% ao fim de um ano de obtenção do diploma e que 20% seguem para o ensino superior.
Penso que existe por parte dos Alemães mais velhos, como a senhora Merkel, a ideia do Português como emigrante de fracas qualificações e destinado a realizar as tarefas que os seus concidadãos não queriam fazer. Mas foi também com a mão de obra e o saber fazer Português, que se ajudou a desenvolver a Alemanha no pós-guerra até aos dias de hoje e sob a solidariedade do “Plano Marshall” em que foi perdoada cerca de 60% da sua dívida publica e a quem foi concedida uma taxa de juro muito benéfica... não são só os Portugueses que precisaram... e agora até “exportamos” licenciados para a Alemanha!
De facto, da experiência que tenho enquanto docente do terceiro ciclo do ensino básico e do ensino secundário, reconheço algumas fragilidades no sistema de ensino português, designadamente no que concerne ao funcionamento dos serviços de psicologia e de orientação vocacional das nossas escolas, não por falta de capacidade dos profissionais encarregados desse processo, mas antes devido ao seu número insuficiente, de modo a poderem realizar um trabalho mais efetivo e proficiente, neste domínio.
E o encaminhamento para os cursos profissionais, não deve seguir o modelo que temos seguido. Criar turmas constituídas por alunos problemáticos, os que não tiveram sucesso no percurso escolar dito normal, criando turmas de alunos com N.E.E. (Necessidades Educativas Especiais). Claro que defendo para estes alunos uma via profissionalizante, mas também aqui, estratificada, pois ao nível do ensino profissional poderão e deverão existir níveis diferentes de saída, para o mesmo curso.
Mas claro, se a Senhora Merkel do alto do seu cargo de Chanceler Europeu afirma tão categoricamente um axioma que não consegue sequer demonstrar, quanto mais provar a sua veracidade, para mais com toda a pompa e circunstância, quem sou eu para dizer algo contra, pois afinal apenas conheço as escolas por dentro, na minha experiência enquanto um humilde professor... o melhor é não querer perceber nada disto e rir muito!
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