sexta-feira, 21 de novembro de 2014

ESTÁ NA HORA DE ACERTAR O RELÓGIO DA JUSTIÇA

GABRIEL VILAS BOAS
Os representantes da justiça em Portugal costumam dizer, num tom mais ou menos professoral, que o tempo
da justiça não é o tempo dos media. Não precisavam de o dizer, pois sabemo-lo bem. A questão é saber se o tempo da justiça é um tempo justo.

A minha opinião acompanha a da maioria dos meus compatriotas: a justiça em Portugal é insolentemente demorada e essa demorada transforma-a em algo muito injusto. Ninguém ganha com uma justiça que não cumpra a sua função principal.

Fico perplexo que os principais agentes, da máquina judiciária, em Portugal, não sintam verdadeiro incómodo quando a sua principal missão fica por cumprir. 

Juízes, procuradores do Ministério Público, advogados, queixosos, arguidos, legisladores empurram, divertidamente, a culpa uns para os outros e nada resolvem que alter radicalmente a situação. 

Acho que todos sabem que o sistema jurídico português parece perfeito, mas, muitas vezes, se tem revelado perfeitamente inútil. Cada um dos “jogadores” defende a sua quinta e não quer abdicar das suas garantias. O legislador cria uma lei cheia de exceções, onde exceional é cumprir-se a regra; o advogado explora todas as convenientes alíneas da lei até onde a carteira do seu cliente permitir; o juiz cumpre “cinicamente” a lei e lava daquilo as mãos como Pilatos; os queixosos lamentam-se, mas dispensam alterações de legisladores; os arguidos proclamam que todas as garantias são mínimas; o Ministério Público contenta-se a com a justiça dos media. O povo, que somos nós, lamenta, tem pena e atira, invariavelmente, a culpa para “eles”. Eles dizem que o povo tem razão, sorriem e seguem em frente, mantendo tudo igual a ontem.

Como a única coisa que não tem solução ainda é a morte, a justiça também tem resolução. Fazer leis sem alçapões para poderosos; cortar garantias e prazos sem sentido para os arguidos se defenderem; organizar, apoiar e executar um trabalho de investigação criminal e acusação que não deixe pontas soltas ou por explicar; impor limites ao número de testemunhas que vão apenas repetir o que outras já disseram ou atestar a honorabilidade dos arguidos (afinal já todos sabemos que eles se presumem inocentes); acabar com os megaprocessos com dezenas de milhares de páginas para um pequeno coletivo de juízes ler, analisar e julgar; terminar com a ditadura dos pareceres dos ilustríssimos doutores de Coimbra ou de Lisboa, que são fortíssimos a argumentar em defesa da posição de quem lhes encomendou o sermão. Será que a justiça não lhes importa nada? Que pensarão os seus ex. alunos, entretanto advogados, juízes, magistrados do MP, ao lerem tais pareceres comparando com aquilo que ensinavam nas faculdades de Direito?

Não, não me digam que a justiça não tem solução, porque não é verdade. Nem me digam que é algo muito difícil de fazer, pois nem isso é inteiramente verdade. Complicado é fazer de alunos muito limitados pessoas capazes de intervir ativamente na sociedade. Irresolúveis são determinadas doenças. 

Na justiça, sobram pessoas capacitadíssimas, gente experiente e capaz de descobrir as mais mirabolantes soluções para casos perdidos. Está mais do que na hora de acertarem esse relógio trôpego e caro, que nos impede de progredir e nos traz desconfiados uns dos outros.

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