MIGUEL GOMES |
Falta pouco para este ano terminar, ouço-o há alguns dias a arrastar-se pelos recantos da lareira que tenho apagada no peito.
Vai raspando, murmurando entre dentes os sonhos e planos, para os trazer aos meus olhos ao som das badaladas que anunciam o dia em que tudo começa, de novo.
Trago-os bem presos a mim, em formas de lágrimas, pequenas, luzidias, que se escapam pelas ameias dos passados e reflectem as partes recônditas, polidas pelos que estão para lá do que vejo.
Caem em dias e noites, como hoje, sem saberem o porquê, desistem de se agarrem a realidades não palpáveis, sem conhecerem o dia e a noite do acordar lento de um sonho realizado.
O nevoeiro faz-me recordar dias em que fui noites, momentos fugazes de uma eternidade contida em gestos e olhares. Momentos em que fui vento e estrela, em que beijei o tudo e abracei o nada.
Tenho saudades desses momentos, de ser o tudo e o nada, de ter a liberdade de ser livre com todas as letras e não apenas com a acentuação, de dar a mão a uma estrela e levá-la a passear por todos os recônditos infinitos do Universo.
Agora, mais do que nunca, almejo percorrer todas as almas, saborear cada toque de vento nas ervas que ondulam nos planaltos que visito apenas quando durmo…
Tenho cravado em mim histórias, pequenas alamedas de pessoas que ainda hão-de vir ao mundo que não conhecemos e não sei como as colocar aqui, no papel, por entre o frio dos meus dedos e o gélido respirar do aglomerado de corpos sem alma dentro.
Até ao próximo bafejar do nevoeiro.
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