ANABELA BORGES |
Há dias, fui
convidada a participar numa conferência à luz do aprazível título: ELAS –
EMPREENDEDORISMO NO FEMININO. Levantou-se um pequeno alarido, um burburinho
próprio de quando se fala em especificidades. Neste caso, terá sido o termo ‘feminino’
a causa do alarido. Era essa a especificidade. E, neste caso também, o alarido
levantou-se no feminino: que não, que não fazia sentido, nos dias que correm,
falar-se de ‘empreendedorismo no feminino’, que coisa e que tal, até que alguém,
ainda no feminino, ripostou que falar de ‘empreendedorismo no feminino’ lhe
parecia uma questão machista.
Eu achei bem que
se levantasse o debate muito antes de ter acontecido a própria conferência.
Deu-se, então, o caso de o debate ter nascido antes da causa que o daria à luz
(a conferência). Era um debate prematuro, mas com força para vingar. Eu achei
bem.
E foi graças a
essa liberdade de expressão de os debates nascerem a qualquer instante, que eu
pude reflectir melhor sobre a questão que me levaria a dar o meu humilde
testemunho na dita conferência. E pude pensar, embora não tendo chegado a
resposta nenhuma em concreto, sobre o que poderia levar mulheres a acharem que
não fazia sentido falar-se de empreendedorismo no feminino.
A conferência
correu muito bem e o debate que se seguiu também, com uma plateia suavemente
equilibrada no que respeita aos géneros, masculino e feminino.
‘ELAS’ surgia
como um acrónimo interessante e bem conseguido: E-empreendem; L-lideram;
A-agem; S-sentem.
E, de facto, foi
uma tarde interessante de partilha e de afectos, porque, sobretudo, ‘elas
agem’; ‘elas sentem’.
Sou mãe, esposa; também sou, obviamente, dona de casa; sou professora de Português; sou autora. Tenho publicados para cima de uma dúzia de contos e alguma poesia. Comecei a publicar em 2011. Guardo o que escrevo, desde que me sei ser dez reis de gente a gostar de escrever. Tenho duas novas obras prestes a serem publicadas, uma infanto-juvenil (ou seja, para a faixa etária dos 3 aos 103 anos), outra juvenil (ou seja, para a faixa etária dos 12 aos 112 anos) – gosto de brincar com isto, porque faz-me sentir optimista em relação às obras que publico. E mantenho a publicação de um texto de opinião (semanal ou quinzenalmente), neste espaço da revista online ‘Bird Magazine’.
Fui criada num
seio familiar feminino empreendedor. Mas, acima de tudo, fui habituada a fazer
pela vida. Sempre me foi dito que as coisas não caíam do céu, que era preciso
trabalho, era preciso ir à procura das coisas.
Eu não sei se
sou empreendedora. Mas quando tenho uma ideia em mente gosto de concretizá-la.
E é isso o empreendedorismo: pôr em prática, concretizar, realizar. Se eu tenho
algum empreendedorismo, é disso tão simplesmente que estou a falar. Nunca fui
de baixar os braços, de desistir das coisas que me fazem sentido. Raramente
deixo a meio uma tarefa ou projecto que iniciei. Não passo para os outros o que
me compete fazer.
Mas como não? Eu
pergunto: como não?
Com uma mãe
doméstica, que tinha na costura o seu ofício e trabalhava dia e noite para
ajudar ao sustento da casa, com seis filhos?
Eu costumo dizer
que o meu dia tem exactamente 24 horas, nem mais nem menos um minuto, porque
perguntam-me muitas vezes como é que consigo dar cumprimento a tantas tarefas.
E costumo acrescentar como resposta: “há muitas coisas que eu não faço”. Há,
sem dúvida, muitas coisas (que não vou estar aqui a enumerar) que eu não faço.
O empreendedorismo é, certamente, um caminho mais árduo no feminino. Atravessemos as ténues cortinas da História, olhemos para os fios do tempo que tecem as sendas dos séculos. Passemos os olhos pela Literatura. Vejamos como o papel da mulher em acções empreendedoras está implícito, e, ainda assim, tantas vezes silenciado, desvalorizado, negado, passado para segundo plano. Vejamos o carácter empreendedor das personagens femininas de Agustina – as sibilas –, mulheres que fazem girar o mundo a partir do seu humilde meio, a partir do seu lar, do seu quintal.
Eu própria tenho
como personagens centrais dos meus contos mulheres: mulheres rudes, mulheres
sensíveis, mulheres sofridas, mulheres que se impõem, mulheres que gerem casas
e negócios. Mulheres empreendedoras, capazes de levantar o dedo indicador
quando é necessário.
É inegável que o
caminho de uma mulher na área do empreendedorismo é muito mais trabalhoso: à
mulher são pedidas outras responsabilidades; a sociedade olha-a, à partida, com
desconfianças e descrenças. A mulher tem mais a provar para convencer, porque
assim lhe é exigido. A mulher tem mais portas fechadas para abrir.
E isto não é
assim apenas em Portugal. É assim no mundo inteiro. É assim, com situações
muito mais gravosas em determinadas partes do mundo (onde a expressão
‘empreendedorismo no feminino’é tão-somente desconhecida), que nem lembra aqui ao
diabo evocar. Que é das crianças noivas islâmicas? Que é das mulheres que não
podem votar? Que é das vozes femininas caladas por vidas inteiras?
Eu faço um périplo anual por escolas, bibliotecas e outras instituições. Levo comigo palavras. Levo histórias, livros, aventuras, referências, experiências. São partilhas, leituras. Dinamizo a “hora do conto” desde que, pela primeira vez, fui bibliotecária numa escola, desde 2009 a esta parte. Faço apresentações dos meus livros e dos livros de outros autores. Abarco públicos de todas as idades. Faço tudo isto a expensas próprias, com grande prazer.Mantenho o sonho / ideia de começar a fazer voluntariado de leitura para idosos, assim que arranjar tempo.
E no meio disto
tudo, que é o princípio: a família.
Nunca perco uma
oportunidade de almoçar com as minhas filhas, se calha uma folga no trabalho;
de as ir buscar à escola, se calha sair mais cedo; de ver um filme com elas,
mesmo se estou a morrer de sono.
E nada disto eu
conseguiria sem o apoio da família, sem a divisão de tarefas, mas, sobretudo,
sem o apoio emocional.
Não sou, em
nada, mais que ninguém, apenas procuro fazer o que me compete.
E quando uma
menina, aluna do 2.º ano do Centro Escolar de Freamunde, vem abraçar a minha
barriga e me diz que eu sou a autora mais importante que ela já conheceu, eu
sei que ela ainda conhece poucos autores, ou, provavelmente, ainda só me
conhece a mim… Mas sei também que aquele dia marcou-a de alguma forma, e a mim
também.
Que comece agora o debate!
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