ANABELA BORGES |
Em diálogo de mim para comigo, disse-me
assim:
- Preciso de receitas para ser feliz.
- Tens de rodear-te de pessoas que te
amem! – disse-me.
- Já estou! – respondi – A minha família
ama-me de verdade. Eles, sim, ouvem-me e sabem ver quando eu não ando bem,
quando preciso de desabafar e quando preciso apenas de um pouco de silêncio. O
problema é que, no dia-a-dia, vejo-me obrigada a lidar com muita gente que
destila más energias, gente que se preocupa com apenas “eu, eu, eu” (diga-se
“elas, elas, elas”). Não querem minimamente saber de mim, embora tenham de
lidar diariamente, e por longas horas, comigo. Mesmo quando parecem cordiais,
não fazem por mim o que eu faço por elas. E acho que nunca farão. Essas pessoas
nunca notam se eu estou triste, se tenho algum problema, se estou a passar por
um mau momento. Não imagino essas pessoas a observarem que em certo dia estou
triste, a perguntarem-me o que me atormenta, a ouvirem os meus desabafos. E o
problema, neste caso, verdadeiramente, é que passo mais tempo com essas pessoas
do que com aquelas que me amam de verdade.
- Pois. Isso é realmente um problema –
respondi-me. Fiquei, por um bom tempo, calada. Não parecia que tivesse grandes
soluções para breve. Até que desferi outro imperativo:
- Tens de gostar de ti! Muito. Tens de
gostar muito de ti!
- E gosto! Gosto do que sou. Gosto de
ser assim. Verdadeiramente, gosto da pessoa em que me tornei. O problema é que
não tenho sequer tempo para pensar nisso. Não tenho grande tempo para estar
comigo, para pensar em mim... para me dar tempo, para me mimar… – respondi-me.
- Pois. Entendo… – e sem saber mais o
que dizer, retirei-me, cabisbaixa.
Depois, veio-me outra ideia importante,
e fui a correr dizer-me:
- Tens de fazer coisas que gostas!
- E faço! Quer dizer, também faço. Mas o
trabalho, a obrigação, ocupa-me tantas horas e tanto perímetro de cérebro, que
aquilo que faço por gosto é muito pouco, mal dá para me satisfazer a ansiedade.
- Pois. Assim… - e, sem saber o que
responder-me, retirei-me novamente, cada vez mais desarmada.
Depois de pensar mais um pouco sobre o
assunto, regressei com nova premissa. Esta deveria estar em falta. Deveria,
certamente, fazer parte da receita para ser feliz:
- Tens de sair mais. Divertir-te!
- Hum. Achas mesmo? – perguntei-me – Se
sair mais para me divertir, onde irei buscar tempo para me rodear das pessoas
que realmente me amam?; onde buscar tempo para ficar um pouco no silêncio?;
tempo para estar comigo?; tempo para fazer o que gosto?.
Seria, afinal, tudo uma questão de
tempo? Ou de vontade? Fiquei sem saber qual a receita para ser feliz.
Sabia que o era – feliz. Tinha tudo o
que, afinal, me impusera ter, ainda que não fosse nas doses desejadas.
Lembrei-me das palavras do poeta*:
“É
claro que a vida é boa / E a alegria, a única indizível emoção / É claro que te
acho linda / Em ti bendigo o amor das coisas simples / É claro que te amo / E
tenho tudo para ser feliz // Mas acontece que eu sou triste...”
*Dialética,
Vinícius de Morais.
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