GABRIEL VILAS BOAS |
A precariedade no emprego é um dos grandes flagelos das sociedades atuais. Ano após ano, atinge cada vez mais pessoas, porque as teorias neoliberais fizeram, sem o dizer, da precariedade um elemento fundamental das relações laborais.
Em Portugal, por exemplo, cerca de 80% dos novos contratos são precários. É um número assustador! O grande problema da precariedade moderna é que foi feita para se tornar permanente, sem que tal fosse absolutamente necessário, mantendo o trabalhador num estado de pressão psicológica e à mercê de propostas imorais e indecentes.
Ao contrário do que se diz, a precariedade não assenta só e sobretudo numa lógica económica. As melhores empresas mundiais não mantêm com os seus trabalhadores esse tipo de vínculo laboral nem as economias de referência assentam o seu desenvolvimento nesse paradigma laboral.
Qualquer patrão sabe que o precário é um sobrevivente e que aceita aquelas indignas condições laborais por necessidade. Poucos patrões investem na formação profissional de um precário, os salários são os mais baixos do mercado, os direitos mínimos (e ainda assim aldrabados). É claro que estes empregadores apenas pretendem usar aquela mão-de-obra barata, por algum tempo e deitá-la fora à primeira contrariedade ou oportunidade de negócio. O precário é um número, não uma pessoa. Dá imenso jeito para enriquecer em tempos de prosperidade e é extramente fácil de alijar em tempos de vacas magras.
Na minha opinião, os precários são mais vítimas do novo ordenamento social que se pretende criar do que consequência absoluta da globalização. A democratização dos regimes políticos, a educação das sociedades e a constante circulação das pessoas entre países fizeram crescer no ser humano um sentimento de liberdade e igualdade que se tornou intolerável e perigosa para muita gente habituada a privilégios injustificados. Ora, antes que esses privilégios fossem discutidos corpo a corpo no competitivo mercado laboral havia que criar uma cintura de segurança que impedisse esses jovens lobos de ascender aonde o mérito os levasse. Não é por acaso que a precariedade atinge essencialmente os jovens.
As gerações que se empregaram no tempo do trabalho para toda a vida “lamentam imenso” a situação aviltante dos precários, mas não fazem nada para a alterar, pois sabem que isso significa abdicar um pouco das suas regalias, dos seus direitos adquiridos, dos seus ordenados incomparavelmente superiores. Tratam de silenciar a voz daqueles que reclamam, reduzindo ao máximo a discussão mediática do tema ou lavando as mãos do problema como Pilatos, acusando a iníqua globalização de todos os males. Não é totalmente verdade! Há claramente uma luta surda de gerações pelo rendimento do trabalho, mas com armas desiguais e objetivos diferentes – uns lutam pela manutenção de privilégios, outros aspiram a um trabalho com salário e direitos condignos.
Provavelmente vamos continuar a aprofundar este modelo de sociedade injusto, em que uns são lobos e outros cordeiros; onde uma ou duas gerações será sacrificada. Tornamo-nos demasiado egoístas e perdemos a visão periférica, onde a inteligência combinava sempre com solidariedade e humanidade.
O precário é uma espécie de clandestino laboral e social que empurramos para longe. Há-de crescer, provavelmente, na mágoa de quem o impediu de seguir os seus sonhos. A mágoa pode enrijecer caracteres e criar riqueza, mas também endurece corações que tornarão solitária e precária a nossa velhice.
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