quinta-feira, 26 de novembro de 2015

ZÉ BRASILEIRO, PORTUGUÊS DE BRAGA

Sr. Pinto Coelho,  Português de Amarante Gatão


HELDER BARROS
O Senhor Pinto Coelho foi uma pessoa que conheci durante a minha mocidade, sendo que jamais o poderei esquecer, pela sua forma de ser: amigo, leal, exuberante, culto e animado. Tratava-se de um brilhante orador, um autentico contador de histórias, um homem que não estudou muito, mas que era capaz de relatar episódios da História de Portugal, como se de um historiador se tratasse. Ademais, tinha uma cultura acima da média, para quem não possuía formação académica superior. A sua vida de aventureiro, de viajante, de emigrante no Brasil, de mulherengo, de bom amigo do seu amigo e de pessoa de convivência muito fácil, só tornaram a sua bagagem cultural muito superior, enriquecendo-a com a chamada universidade da vida, neste caso, muito rica e variada em experiências. 

No Café Bar era comum estar no grupo dele, com o meu falecido Pai e o Sr. Pinto Coelho, sempre de forma estridente e apaixonada, em alegre cavaqueira, em tertúlias que só terminavam quando a noite já ia muito avançada. Falava das suas aventuras amorosas, nunca as reduzindo a relações sexuais… a mulher exercia naquele ser uma exaltação tal que, só a podia ver como um todo, de forma holística. Começava sempre por descrever os seus antigos amores, com frases do género: “olhem, ela tinha as mãos mais lindas que já encontrei; os lábios mais doces; os seios mais belos; as pernas longas e bem-feitas, o sorriso mais belo… etc.”. E discursava de igual modo entusiasmado, de política, de negócios, de futebol, da sociedade em geral que, ninguém ficava indiferente, à sua forma afectada de discursar na primeira pessoa.

Durante a primeira metade do século passado, a emigração para o Brasil foi sempre uma oportunidade para homens como o Sr. Pinto Coelho, pessoa bem relacionada, bem-falante e com bastante cultura, que não formação. E o valor destas pessoas é tal que, partindo para um novo mundo, como é o Brasil, a partir de um meio pequeno, como era então a Vila de Amarante, estas pessoas singravam rápido na vida, graças ao seu poder de adaptação, de persistência e de empreendedorismo. De facto, o Brasil foi sempre um palco à medida da ambição dos portugueses, um país rico e que permite que se cresça, um país em constante desenvolvimento, também pela sua dimensão territorial, que dá muito mundo e às pessoas que o queiram agarrar. 

O Sr. Pinto Coelho foi um desses emigrantes de meados do século XX que, de uma família remediada de Amarante, procurou subir na vida num palco que permitisse o seu crescimento, embora batalhando muito para tal, como se pode ver no clima socioeconómico da altura que passo a citar: «Apesar das muitas campanhas para combater esta saída de pessoas, a mesma mostrou-se sempre imparável até princípios dos anos 60 do século XX. No Brasil esta vaga continua de imigrantes, apesar de ser fundamental para o desenvolvimento do país, não deixava de levantar resistências, nomeadamente dentro da própria comunidade portuguesa. No Brasil esta vaga continua de imigrantes, apesar de ser fundamental para o desenvolvimento do país, não deixava de levantar resistências, nomeadamente dentro da própria comunidade portuguesa. A vinda de mais imigrantes foi por vezes sentida como uma ameaça aos que já estavam instalados. Esta vaga migratória chegou mesmo a ser interpretada como a continuação da anterior ocupação colonial, o que era um incómodo para um país que procurava afirmar a sua independência para à sua antiga metrópole.» in “Memórias da Emigração Portuguesa”.

O que é certo é que em meados dos anos oitenta, quando regressou a Portugal, o Sr. Pinto Coelho, era um Homem bem na vida e de bem com a mesma. Acumulou uma pequena fortuna no Brasil, o que lhe permitiu manter em Portugal, um elevado nível de vida, que já tinha no Brasil. Era um vendedor de peças e acessórios de automóveis que corria semanalmente milhares de quilómetros no Brasil, para realizar os seus negócios. 

Mas, tal como Teixeira de Pascoaes, as saudades da terra eram grandes e falo em termos da terra em si; este Homem tinha saudades de mexer na terra, de tal forma que comprou uma quinta com um montado enorme, em zona de montanha, e, terraplenou, abriu caminhos, enfim, construiu uma nova quinta, que suplantou em muito a original. Plantou pomares, dos mais variados tipo de fruta, e de todo o tipo de curiosidades nas suas grandes hortas. Sempre sonhou em construir uma casa com vista direta para o Marão, o que não chegou a concretizar.

Tinha dois filhos, um de cada uma das mulheres com quem esteve legalmente casado, um homem e uma mulher. O homem ficou no Brasil a gerir os negócios do pai; a filha casou com um engenheiro inglês e vive em Inglaterra. 

Como a agricultura dificilmente deixa alguém rico, até metia dó ver o dinheiro que gastou para transformar montes em campos agrícolas. O meu falecido Pai sempre o foi alertando, mas a vontade daquele Homem em viver uma vida dedicada aos prazeres do campo, que ele recordava nas suas conversas e em que ficavam patentes as saudades que ele tinha dos tempos de menino, em que foi criado em ambiente rural; um tal saudosismo da terra que Pascoaes taõ bem inscreveu na sua obra e que o desafiava constantemente. 
Mas, tratava-se de uma figura única, quantas vezes o vi desfilar, entrando e saindo de bancos, lojas e cafés, de fato branco, chapéu de cowboy branco, sapatos brancos, contrastando com o escuro predominante das pessoas da sua idade com que se cruzava, nos anos noventa idos. 

Homem de uma cultura ímpar, recitava poemas de Camões, de Pascoaes, citava passagens dos livros de Camilo Castelo Branco e de Eça de Queiroz, como se de um estudioso dessas matérias se tratasse. Amarante já não tem estes seres mágicos nos seus cafés, em tertúlias infindáveis e com tanto de inesperadas, como de espanto para quem os ouvia. 

Falava da sua meninice em Gatão, como Pascoaes também tratava nos seus livros e colóquios, de forma nostálgica. Mas tratava-se de uma saudade alegre que relembrava coisas fabulosas, que nos conferia esperança em poder viver assim... de forma tão apaixonada pelas coisas mais comuns e que, para eles, eram maiores. 

Faleceu em sua casa, como queria, na sua quinta, comendo badanas de bacalhau e sopas de tronchudas e comia com oitenta anos de idade uma melancia pela manhã, porque para o Sr. Pinto Coelho, noctívago de sempre, de manhã, bem cedo é que se começava o dia! Nos últimos tempos da sua existência passou dificuldades, pois o dinheiro que enterrou na terra, jamais teve retorno e aos poucos foi desaparecendo... teve no entanto a amizade da nossa família que sempre o ajudamos, mesmo quando ele não queria. Ele, na sua infinita bondade e amizade, sempre nos ajudou e apoiou. Homem de valores, um dos quais se fundava na amizade que cultivava de forma profunda, nobre e verdadeira.

Pessoas de Amarante que eu conheci e que me marcaram; venham mais destas que vale a pena conviver com estes seres mágicos.

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