«Lutar contra o racismo, para citar uma alegoria do filósofo americano Rudolf Carnap (1891-1970), é como tentar consertar um barco que navega no oceano agitado por uma tempestade.», diz-nos Pierre-André Taguieff, filósofo e cientista político francês do Centro Nacional de Pesquisas Científicas, em entrevista concedida à revista Super Interessante, edição 66, de Março de 1993.______- este artigo retrata, apenas, uma opinião do autor Alvaro Giesta______
ALVARO GIESTA |
Cada vez mais se me afigura de difícil resolução o combate que se trava contra o mito das raças, que alastra, quer no âmbito do conflito religioso (cada vez mais sangrento pelo fanatismo das religiões que são transversais ao mundo actual, fanatismo incompreendido para o homem que se diz civilizado e temente a Deus), quer no âmbito de políticas divisionistas e raciais que teimosamente insistem no conceito da raça - superior e inferior - que simplesmente não existe, e investem, de forma destrutiva, em formas de resolução, que não passam de hipócritas e oportunistas tentativas.
A lei dos tempos actuais, e com razão, insiste em que, se não existe o conceito de raça, maior razão há para que seja eliminado o racismo pondo termo às velhas teorias de raça. Pura ilusão! Não há nada de mais demagógico do que dizer que é possível eliminar a palavra "raça" terminando com o conceito rácico. E porquê? Porque a palavra "raça" não é apenas mero conceito. É uma realidade mais do que simbólica, porque é um termo de linguagem que identifica as várias pessoas pela sua cor da pele. E, negarmos esta evidência, é navegarmos num universo de pura hipocrisia.
Por muito que nos custe, por muito que repugne o "homem bom, não oportunista e civilizado", não nos podemos alhear de que a realidade da "cor da pele" ou do "aspecto dos cabelos", existe. E, existindo - mas não o devendo ser, acentuo -, esta realidade não deveria ser motivo de diferenciação e distinção social, de segregação e estigmatização. Mas, infelizmente, não nos podemos alhear - e, fazê-lo, seria pura hipocrisia demagógica, repito, porque ninguém se consegue abstrair e alhear desta realidade - de que a cor da pele e o aspecto dos cabelos é o grande motivo de segregação.
A noção de "raça" existe, ainda que os cientistas continuem a afirmar de que tal é um mero conceito. E ela é o grande motivo divisionista. Ainda que me force em pensar, com a tentativa de destruir a tese anterior e de me fazer crer a mim mesmo, ser pensante, que, actualmente a noção biológica de desigualdade entre os seres não se põe com a mesma acutilância como o racismo cultural ou diferencialista, neste caso, como as etnias, as culturas, as religiões. Não se hierarquizam, tanto, como até à época hitleriana, em raças superiores e inferiores, em negros e brancos ou amarelos, mas esta ideia de "raça" é imanente ao ser; ao "todo ser"! Sempre assim foi e será. Não apenas àquele que se julga diferente quando nasce e com direito à diferença negando a igualdade - o que é um absurdo!-, mas ao "todo" ser humano. Esse pensamento de "raça" está compreendido em toda a essência de todo o humano. E negarmos tal evidência é navegarmos num mar de hipocrisia.
A nossa hipócrita sociedade actual, e não apenas a sociedade política, vangloria-se de que cria "fundações" com vista a promover a igualdade de oportunidades para todos. E debate-se com propósitos que não passam disso mesmo: meros propósitos panfletários propostos para angariarem meios e fundos com vista a ampliarem, quantas vezes, partidarismos criados com fins obscuros e indefiníveis, que passam, tão-somente, por políticas que se fundamentam na luta racial mas que, em boa verdade, não vão além de contínuas lutas de classes, que proliferam no mundo. Porque sendo o «racismo e o capitalismo duas faces da mesma moeda» (Steve Biko), o regime de guerras e pobreza, de miséria e opressão, a força da exploração humana usada pelo sistema capitalista que diz renegar a luta de classes com a criação de bolsas para os estudiosos se debruçarem sobre o problema da "luta racial", mais não serve, tantas e tantas vezes, do que os seus próprios interesses capitalistas que usam a opressão e exploração para dividir e reinar. Isto não é mito nem ficção ou telenovela. É a crua realidade encapotada, tantas vezes, com (falsos) propósitos de fins humanitários.
E aqui se reforça a alegoria do filósofo, com que se abre esta crónica: «lutar contra o racismo, é como tentar consertar um barco que navega no oceano agitado por uma tempestade». Assim se (me) afigura de difícil resolução, quiçá, impossível resolução, o combate que se trava contra o racismo.
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