HELDER BARROS |
Vou falar sobre um personagem que, sem margens para dúvidas, considero ter marcado o século XX de uma forma muito profunda e de grande dimensão humana. Eu não quero ser mais um, entre tantos, a tecer loas de ocasião, mas, pelo contrário, perspetivar o pós-Mandiba, o que virá depois e o que é que a humanidade vai fazer com esse exemplo quase divino, qual epifania dos nossos tempos.
Nelson Mandela teve a nobreza de caráter de nunca querer a vingança pela vingança. Muitas vezes, mormente entre os crentes da religião católica, é comum invocar-se o sofrimento e o calvário que Jesus Cristo sofreu no decorrer da caminhada para a sua crucificação, como arquétipo de vida para a humanidade, no sentido de enfrentarmos as provações nos vão aparecendo no nosso quotidiano.
Um Homem que acreditou na igualdade entre homens de raças diferentes, num contexto sócio político de Apartheid que durou quase meio século, a partir de meados do século passado, em que se segregou a grande maioria da população negra da África do Sul, e que por isso esteve preso um quarto de século a quebrar pedras e a realizar outros trabalhos forçados de dureza equivalente.
Mandiba disse-o e ninguém deve duvidar das suas palavras, que não hesitaria em dar a sua vida por uma África do Sul mais justa. O seu comportamento revelou-se irrepreensível, depois da sua libertação, pois, ao contrário do que se passou em alguns Países Africanos, sempre lutou por uma nação de negros e brancos, em igualdade de direitos. Nós os portugueses conhecemos o descalabro em que a descolonização portuguesa se tornou, nos territórios em que tivemos soberania, designadamente, Angola, Moçambique e Guiné. Após a revolução de Abril, a nossa pressa de entrega das colónias ultramarinas ficou eivada de irresponsabilidade, pois obrigamos pessoas nascidas em África a retornarem a Portugal continental; fizemos retornar pessoas que nunca foram daqui... mas era isso, ou lança-los aos tubarões, diziam alguns políticos da moda!
A África do Sul é o país mais desenvolvido do continente africano, penso que não restam dúvidas quanto a isso. E quanto foi o contributo de Mandiba para isso: penso que é incomensurável. Repare-se que, se quando Nelson Mandela saiu da prisão houvesse uma revolta armada, certamente que, ainda hoje, se andaria aos tiros e a economia do pais estaria completamente depauperada. Nem me referi primordialmente ao aspeto mais importante da questão: quantas vidas se teriam perdido, quantos seriam os estropiados de guerra. Ninguém consegue aferir tal conjetura, pois se em países vizinhos menores e com menos interesses estrangeiros, o impacto das revoltas armadas, mais ou menos civis, tem sido brutal a todos os níveis, o que seria se um pais desta dimensão entrasse em convulsão... Mandela com o seu duro exemplo de vida, está ao nível de Cristo e outros Messias, Madre Teresa de Calcutá, João Paulo II, Dalai-Lama Tenzin Gyatso, Martin Luther King, Mahatma Gandhi e o revolucionário clerical, Francisco I, que sempre procuraram o Bem como caminho e não se deixaram corromper pelo apelo do mal, afinal, quase sempre a escolha mais fácil e popular. Difícil é liderar grandes multidões com sede de ódio e vingança, mostrando-lhes que a violência e o mal não são a escolha correta: o aperfeiçoamento humano passa por resistir ao imediatismo do mal, do revanchismo e da humilhação alheia.
Mas, e eis finalmente chego ao ponto crucial da escrita deste texto, o que será que a humanidade vai fazer com tão grande herança de bondade e paz, que Mandiba nos soube brindar?... Será que a África do sul se desunirá e será palco de guerras mais ou menos civis, tal como acontece em inúmeros pontos do continente Africano? E se for assim, de que adiantou à humanidade, ter esta experiência do sagrado, qual epifania, se nada se incorporou na nossa forma de ser e de estar na vida? -Pouco, muito pouco e receio que o imediatismo do consumismo e do Deus dinheiro, a ditadura da Moeda e das agências de rating que tudo influenciam de forma dramaticamente soberana e de uma obediência quase masoquista por nossa parte, acabem por prevalecer. Parece que ninguém conheceu Mandiba... que ninguém o quis conhecer, que andamos todos com amnésia seletiva!
E se, de facto, o exemplo dele, não nos interpelar... então penso que estamos mesmo condenados à maldição eterna, enquanto seres com consciência!
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