“...dia eleito da saudade”, assim lhe chamou o nosso querido e saudoso Poeta .
ANTÓNIO PATRÍCIO |
Saudade de vivos por alguém que partiu sem hora prevista e, acima de tudo, a mágoa e a impotência de não ter impedido essa partida. O homem vive envolto em espinhos de impotência perante a morte fria e cruel. Na sua impotência inventa desculpas, traça conjecturas, mas não consegue parar a marcha silenciosa e mordaz da morte. O homem existe para a vida e, perante a morte, sente-se um falhado. Desde que o homem tomou conhecimento de que era possuidor de memória iniciou o culto dos mortos, é certo, a princípio com ritos simples vindo, ao longo dos tempos, a aperfeiçoá-los, enriquecê-los e a torná-los cada vez mais dignos, honrando-se por ter vivido, na esperança de uma sobrevivência consoladora.
A estes ritos de veneração do corpo juntou-lhe exaltações ao espírito no sentido de aliviar e orientar uma nova vida, seja ela na presença do Pai, eterna e de luz, ou uma reencarnação terrena e efémera sujeita às mesmas contingências, vicissitudes e ilusões.
Mas, a morte, que à primeira vista parece ser uma coisa natural, assim como a vida, não o é. A morte como a vida não são coisas naturais. Para acontecer vida são necessárias uma imensidão de premissas todas imbuídas das mesmas intenções, procedimentos e princípios e, ainda, a aceitação suprema da Mãe Natureza. Quando a morte acontece assiste-se precisamente ao oposto, excepto no que diz respeito ao consentimento da Força Superior – Mãe Natureza – que, queiramos quer não, nos suporta como passantes usufrutuários dos benefícios terrenos.
As saudades que os vivos comungam pelos mortos vêem-lhe destes momentos terrenos e são tanto mais fortes quanto mais acentuados são os laços de sangue, a vivência e a convivência. E, o homem, chora estas perdas em cupiosas lágrimas que gelam ao bater nas pedras frias e silenciosas das sepulturas, moradas terrenas dos invólucros do espírito.
As preces, mais ou menos em surdina, enchem os espaços e os soluços provocados pela comoção calam as palavras e, os olhares, falam mais que as línguas. As flores, as mais variadas flores, vão-se desfolhando consoante o Sol as abrasa, a brisa passa ou as bátegas da chuva as castiga. As lamparinas tremeluzentes afogam-se na sua própria lava e partem, elas também, para uma morte lenta e não anunciada. As estrelas juntam a sua luz ao luar e, devagar, vão envolvendo o tempo na frialdade marmórea de um campo onde a alegria não encontrou espaço e o silêncio é senhor.
É o Outono, na sua faceta misteriosa, que chora a dor e o abandono ao som de sinos badalando sonoras notas desoladas lembrando ao homem quanto efémera é a sua permanência sobre a terra. É a voz do vento, soprando entre pinhais e penedos sonhos, amores e desamores, sussurrando ao homem a sua sina: - És pó...
São os vivos a perderem a máscara da sobranceria e a tomarem consciência da sua pequenez e da sua igualdade nos sete palmos e meio da sua residência eterna.
Saudade, dia da saudade, em que os vivos choram tristes e desolados a morte e, os mortos sorriem, entre batalhas de flores, homenageando a Vida.
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