ANABELA BORGES DR |
Aqui há tempos,
vi, num apontamento da imprensa, que o humorista Nilton andou pelas ruas de
Lisboa, caracterizado de zombie, a pregar sustos a lisboetas e turistas. Isto
não é mais do que a moda pegada, reflectida numa acção do humorista, de uma
sociedade que valoriza tudo o que seja do domínio do fantástico e em modo
quanto-mais-irreal-feioso-sangrento-e-morto-vivo-melhor.
No
desenvolvimento desse apontamento, Nilton referia que “Em Portugal, estamos mais mortos do que vivos, estamos ligados à
máquina”. É claro que a afirmação leva-nos a pensar na situação
socioeconómica-cultural-de-valores-e-afins que o país atravessa. Mas a
associação desta sentença à figura de um zombie levou-me a reflectir sobre o modus faciendi do fascínio, tipo
produção em série, que se vem desenvolvendo ao longo da evolução humana, pelo terror,
o crime, o desconhecido, os mistérios além-túmulo e a existência de possíveis
submundos ou extra-mundos, ambientes pós-apocalípticos e outros lugares e
feitios situados muito para além do conhecimento limitado que temos da nossa
humilde galáxia.
São muitos os
casos em que este género, agora também fortemente disseminado em séries de TV, tem
vindo a constituir o deleite dos apreciadores nas telas dos cinemas, como “Braindead”,
nos anos 90 – que levou a que em alguns lugares do mundo fossem distribuídos
sacos de vómito para quem assistisse ao filme –, ou, nos anos 70, com o
clássico “Despertar dos Mortos”, que estabeleceu um padrão e deu origem a uma
avalanche de filmes do estilo. Estes e outros filmes constam de uma lista da
Forbes dos melhores filmes de zombies de sempre.
Não é difícil
percorrermos a história do cinema e da literatura para nos depararmos com
inúmeros livros e filmes, em sagas ou a solo, em que o importante é abandonar o
real e buscar um qualquer submundo, um qualquer “Senhor dos Anéis” que nos faça
crer que noutras dimensões do tempo, em eras difíceis de imaginar, e em
espaços, camadas abaixo ou acima desse mesmo real, há outros mundos e seres
defeituosos que precisamos de combater para assegurar a existência humana, ou
para preservar uma determinada casta de seres quase perfeitos. O mesmo se passa
nos filmes de ficção científica, com a criação de extra-mundos,
extra-planeta-terra, extra-tudo.
Não precisamos
de ir muito longe, bastando recordar o sucesso da saga “Twilight”, em que os
vampiros e os lobisomens passaram facilmente de vilões a moçoilos queridinhos
das adolescentes.
O NEGÓCIO DOS MORTOS ESTÁ BEM VIVO
Parece que o
negócio dos mortos está bem vivo, afinal.
A experiência colectiva
de fenómenos como este ajuda a explicar não só o fascínio das pessoas por estes
temas, mas também a maneira como este tipo de literatura, filmes ou séries se
tornou uma febre à escala mundial.
Antes mesmo de
serem publicados os livros ou estreados os filmes ou séries, há já toda uma
publicidade, uma pré-venda, uma divulgação fora do comum. Muitas vezes, a
divulgação é feita por fãs, em blogues, sites e redes sociais, com traduções
mais ou menos foleiras, mas todos sabemos da gigantesca máquina financeira que
está por detrás destes fenómenos de atrair milhões.
É certo que, enquanto
existirmos, haverá o fascínio pelo desconhecido, mas na minha cabecinha,
continuará a fazer-se uma enorme confusão, um “brainstorming”, quando leio que
a série mata-mortos, sangue-com-sangue, “Walking Dead”, é uma das mais
pirateadas em todo o mundo, distinguida com inúmeros prémios, vista por milhões
de espectadores e já está na 5.ª temporada. É uma indústria que rende milhões,
a moda dos mortos-vivos, fenómeno televisivo e cinematográfico de enorme
popularidade.
Mas como? O que
faz com que as pessoas apreciem o género?
Talvez,
emocionalmente, as pessoas se vejam com necessidade de rever os seus dilemas e
escolhas morais – espero que sim! É urgente que o façam e não se lembrem de
andar por aí à cata de sangue.
Talvez certas
personagens dessas carreguem a promessa de um amor capaz de superar a morte, quando
as pessoas são constantemente confrontadas com a finitude da vida – a esperança
do amor eterno e da imortalidade, causas empreendedoras sempre acalentadas pelo
ser frágil que somos.
Talvez os
segredos dessa faceta humana permaneçam desconhecidos para sempre. Mas uma
certeza parecem trazer: que são um inequívoco alimento para o espírito humano
que aprecia o género. Falta saber que consequências nefastas daí advirão.
Afinal, quais de
nós são os mortos-vivos?
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