MIGUEL GOMES DR |
Não vou pensar nas voltas que dou em torno do eixo deste planeta. Hoje, ainda que adormecido, serei centro do que me rodeia, enquanto todos vociferam e, sem o saberem, desesperam.
A vida pertence à vida, eu que o viva, se vivo sou, para ser o local onde não estou e chegar lá sem me conhecer.
Somos aquilo que sabemos ser, ainda sem antes nos debruçarmos sobre o parapeito, por entre as cordas e o colorido das molas no estendal despido.
Seco transpirações e aquilo que me obrigo a vestir.
Tacteio teclas sem emitir notas, apenas o desejo de te ver atrás desta parede, adormecer, dormir, dormires e eu ser teu, sem nunca partires.
Não entres tão depressa no sonho, pouco me resta que o travo e aroma indistinguível de um medronho, sem embriaguez, sem qualquer cálice para onde escorrer a seiva, sem um carreiro, uma leira, para onde me dirigirei quando enfim me diluir... Eu, que nem sei para onde estás a ir.
Gosto de enganar o destino e caminhar cabisbaixo umas dezenas de passos, para depois olhar o céu de repente e ver uma pequena estrela luzidiamente cintilar enquanto uma nuvem juvenil e arisca tapa momentaneamente a luz do Sol reflectida na Lua.
De quando em vez uma flor inclina-se ostensivamente ao caminho e sussurra, sou tua.
Caminharia ad eternum, não fosse a omnipresença destino percorrido imemorado.
De obstáculo em precipício caminha um par de gente. Cegos, ninguém diria perfeitos, dobrando a escuridão sem medo, lado a lado.
Tento encriptar os murmúrios, mas de mim, que gosto, apenas a superficialidade de um profundo que não se conhece parece ser tudo o que neles acontece.
Enganou-me o destino, ao passar por mim cabisbaixo e atirar uma mão cheia de nada dizendo, eis o que de ti te salva, segue-te intuitivamente, os cardápios querem-se de madrugada.
Estafado, passo as costas da mão pela testa, limpo a boca arrastando os lábios pela manga da camisola e atiro um sorriso à gota de suor que caiu entre duas palavras formando uma vírgula personalizada.
As letras estão no forno.
A porta lacrada com dias preparados pelas minhas mãos quando aprendia a escutar.
O vento refresca-me quando coloco a cabeça fora do postigo e leva em movimentos errantes alguns pensamentos que andavam a germinar no resto das sementes empoeiradas.
Se chover e o olfacto for buscar odores a terra orvalhada, terei palavras prontas a cortar e letras a servir.
Falta-me um tição para avivar o lume e talvez por isso a cozedura ou assadura demore mais que o desejado.
Repousem no ventre aquecido, ainda que não escritas, o parágrafo não será esquecido.
Enrolo-me em mim, deixo-me levar pelo cansaço de me fingir acordado e colho-me então, quase maduro, no lado de lá do chão.
Se fossem vós, letras, meu pão... Mas há espaço em mim apenas para mais um ponto de interrogação.
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