sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

RANZI DEVIA COBRIR-SE DE VERGONHA

GABRIEL VILAS BOAS
A cultura de um povo não é um bem negociável, porque ela materializa e sintetiza a alma e a essência desse mesmo povo.

Durante esta semana, o presidente iraniano, Hassan Rouhami, visitou a Itália e o Vaticano, num périplo pela europa. Quando visitou a pátria de Michelangelo, o presidente italiano, Matteo Ranzi, “aceitou a sugestão” (como abomino os eufemismos da hipocrisia política) do protocolo e mandou tapar algumas estátuas do Museu Capitolino, em Roma, dado que estas exibiam a nudez, em sinal de respeito perante a cultura e sensibilidade iranianas.

Na verdade, Ranzi não se deu ao respeito e envergonhou o povo que devia representar. Nem respeitou o presidente iraniano nem respeitou o cargo que exerce.

A cultura italiana é a herdeira natural da cultura greco-latina que enche de orgulho a europa ocidental. O nu das estátuas, pinturas ou esculturas vincou (vinca) a supremacia do estético e do humanismo sobre a censura das diversas religiões.

Durante séculos, pensadores, filósofos e artistas “explicaram” aos hipócritas guardiões de uma moral restritiva e punitiva que a arte greco-latina precedeu o cristianismo ou o islamismo e por isso delas não recebia ordens absurdas ou lições de comportamento.

Um artista provoca sentidos; representa o mundo e o Homem e por isso não se submete. Ele sabe ser estético sem nunca deixar de ser ético. Demorou vários séculos, mas a Igreja Católica acabou por perceber o que era a Arte e que esta só podia funcionar num espaço de liberdade.

Quem vive e aceita as sagradas regras da liberdade, democracia e respeito entre os povos não pode censurar os outros, mas também não pode censurar-se. Se Ranzi fosse a Teerão, jamais pensaria pedir ao presidente Hassan Rouhami que permitisse ou obrigasse as mulheres iranianas a tirar a burka. Se o fizesse, estou certo que não só não alcançaria os seus intentos como também veria a sua viagem ao Irão cancelada. E, a meu ver, com inteira razão. Há pedidos que não se fazem, há sugestões que não se admitem.

O nu das quatro estátuas do museu romano é icónico, obviamente, mas não irrelevante. Ele traduz a liberdade de uma cultura e uma forma de pensar o mundo. Com a sua cobardia Ranzi humilhou a Itália e a cultura ocidental, pois não soube explicar ao seu homólogo iraniano a humanidade e a beleza daquelas figuras nuas. Se Ranzi sente vergonha da história, da cultura ou da arte italianas não devia ter levado ao museu Capitolino o iraniano. Se este se incomoda assim tanto com o nu das estátuas italianas, então, devia também recusar fotos ao lado da estátua equestre de Marco António.

Não é assim que se estreita as relações entre povos. O medo, a falsidade, a vergonha daquilo que fomos, somos e representamos são péssimos atributos de um Presidente. Ranzi pode aproximar governos, presidentes, interesses económicos posições diplomáticas, mas jamais aproximará povos e culturas. Assim sendo, os seus esforços serão sempre infrutíferos.

Como muito bem sentencia um ditado popular: Quem perde a honra por causa de um negócio, perde o negócio e perde a honra. 

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