«É Alentejo - mas não é bem
Alentejo. Tem traços da Beira, outros do Ribatejo. É menos plano, mais verde,
menos amplo, mais variado. Habitado por um povo de falar ainda mais marcado, o
Alto Alentejo, hoje distrito de Portalegre, cobre o termo de que foram as
terras de Avis, espaço imenso e pouco povoado que D. Afonso II situava entre
Santarém, Coruche, Évora, Elvas e Abrantes.» - In “Norte Alentejano” de José Manuel Fernandes
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Porque ao longo
dos textos, alguns dos quais, eventualmente, aqui possa vir a inserir, além
deste, me refiro a "obturações, teleobjetivas, imagens", significa
dizer "fotografias" que fiz para ilustrar os mesmos durante um
trabalho de campo que realizei, por todo o País, para determinado fim e cujas
imagens aqui não é importante publicar.
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ALVARO GIESTA |
Venham
comigo, iniciando esta digressão, por terras do interior onde o verde da
planície, nas suas múltiplas cambiantes multicolores, é salpicado por frondosas
copas de azinheiras e manchas de extensos olivais a contrastar com a agrura «granítica
e poética», no dizer de Orlando Ribeiro, da montanha. Portalegre, Castelo Branco, Almeida, Figueira
de Castelo Rodrigo, Miranda do Douro, Bragança e Chaves, eis algumas das
cidades por onde passei numa demorada digressão e de que aqui deixo, "em
resumo", alguns traços escritos em jeito de reportagem na parte a que diz
respeito o capítulo "Planície e Montanha".
Venha
e acompanhe-me nesta primeira etapa da digressão que me propus realizar; aprenda,
comigo, a viajar para fora, conhecendo cá dentro as coisas belas da nossa
terra. E, para isso, leve na sua bagagem um Torga, que lhe mostra «o mar de
pedras» das terras transmontanas moldadas pela força braçal dos homens e
mulheres de tez tisnada pelo sol abrasador dos meses de Junho a Agosto ou pelas
gélidas geadas que o sião ou cieiro de Janeiro e Fevereiro, soprado das terras
altas de Espanha, agudizam ainda mais os sulcos do rosto que mais parecem ter
sido lavrados pelo duro aço do arado; ou um Orlando Ribeiro, que tão bem talha,
poeticamente, a geografia do seu país; ou um José Manuel Fernandes ou um Rui
Abreu de Lima que, para além do seu gabinete de investigador, palmilham,
quilómetros sem fim nessas terras (de ninguém!) regadas pelo suor do rosto
desta gente pobre e humilde alentejana.
Na
nossa deambulante viagem pelo país, viagem quase de peregrinação (e eu digo
"nossa" referindo-me ao meu velho e fiel 4X4 que me acompanha vai
para década e meia da sua vida), chegámos a Portalegre (sem
nos termos alongado por Terras do Baixo Alentejo, pois a não existência da
matéria que movia o intento desta digressão tal não justificava), com uma breve
paragem por Évora para olharmos o tão problemático "Templo de Diana",
quanto ao nome, que em homenagem à Deusa parece haver discordância e controvérsia
nos vários saberes de célebres historiadores, mas que pela certa é romano, e
parece até ter servido para o culto imperial na época em que as influências dos
imperadores Trajano e Adriano se expandiram na Península. E como célebre se
tornou e se mantém fiel à fama, de tal ordem que as suas ruínas resistem às
agruras do tempo e da vida, aqui deixamos à apreciação do leitor o resultado de
várias obturações à torreira do sol
que já impiedosamente castigava (mesmo
estando nós em Janeiro), e ainda o pino
do meio-dia ia longe, nestas terras alentejanas.
Mas
antes, (muito antes…) de termos chegado à cidade-capital do Alto Alentejo que,
no dizer do poeta, «é cercada de
serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros, onde o sol abrasa e o frio
tolhe (…)», perdemo-nos no longínquo dos quilómetros de asfalto que já
soltava chispas que nos cegavam a vista e nos entorpeciam o corpo
conduzindo-nos a uma indesejada sonolência, talvez pela noite mal dormida pela
ânsia da partida...
...e fomos dar a uma terra, que
mais parecia um berço convidando-nos ao descanso, plantada no alto de um monte
e entre oliveiras, solitária, que se erguia apontando o céu, fortemente azul,
numa cumplicidade de silêncios com Deus que parece aqui ter-se perdido muito
antes da Convenção assinada por D. Miguel em 1834 a abolir o absolutismo em
Portugal: Évora Monte se
chamava.
Acompanhe-me o leitor por
entre um mar de céu azul a tingir o branco deste Alentejo, e pare connosco na
cidade de Estremoz que foi cenário de importantes encontros políticos na Idade
Média, entre as quais as cortes convocadas por D. João I. Venha ver o Paço a que eu chamo "Dinisíaco" (e que
muitos tratam por "Dionisíaco", impropriamente, porque, aqui, do deus
grego Dionísio não se trata), do século
XIII situado na Periferia do Castelo, onde residiu durante várias épocas
da sua vida o Rei D. Dinis. Aqui faleceu a Rainha Santa, em 1336, e o rei D.
Pedro I em 1367. Vale a pena ver também o Museu Municipal de Arqueologia e
Etnografia, cujo recheio representa, essencialmente, as antigas actividades
artesanais da localidade, afamada pelas suas produções de olaria popular.
E voltemos, para já
terminarmos, àquela que, no dizer do investigador
Rui Abreu de Lima, «(…)
caracteriza, sintetizando, de forma singular, o contraste destas terras de
transição» que se espraia «desde
os altaneiros contrafortes da serra-mãe, até às cálidas planuras do interior
sul» onde «convivem,
harmoniosamente, os relevos da dominante S. Mamede com as extensões planas de
cultivo cerealífero (…), com culturas e saberes», afirmando «uma identidade própria, como o exprimem as
várias manifestações do seu saber artesanal (…)». E, se mais não
houvesse, ainda no dizer do mestre investigador, «(…) só por si, as Tapeçarias desta aristocrática Portalegre ou os
Empedrados plebeus de Niza ou os populares Alinhavados, justificam que se
conheçam estas terras contrastantes».
Por isso, caro leitor, seja verão ou
seja inverno, não fique comodamente instalado num hotel ou casa de veraneio e
não se limite, apenas, ao curto passeio de alguns minutos quando vai beber o
café após a refeição da noite à esplanada mais próxima, ali ao virar da
esquina. Explore o que o Alentejo tem de poético e lindo. Venha connosco ou
siga o investigador… acompanhe-nos, então, até à "Sintra do Alentejo", não sem que antes passemos por Marvão, vila alcantilada
a 862 metros de altitude e a 6 Km
da fronteira espanhola, oferecendo, pela sua situação geográfica, um panorama
envolvente de grandiosidade sem par.
Sobre
um escarpado monte de rocha viva, ergue-se a poderosa fortaleza dominando o profundo
vale, conservando fortes vestígios de fundações romanas. E, não fora o curto
dia de Janeiro a anunciar-me, já, um fim de dia breve, por certo me instalaria
aqui, por largas horas, de potentes binóculos e teleobjetivas em punho, a
deliciar o olhar com a beleza longínqua de um misto de verde e azul apenas
salpicado pelo branco das casas, para lá do limite de Santo António das Areias,
a aguçar-me o apetite a uma fuga breve até Valência de Alcântara, na vizinha
Espanha.
Voltemos
ao tão pouco conhecido, mas tão romântico, Castelo de
Vide: a "Sintra do Alentejo". Pela sua arborização, pela sua
configuração natural, pelos importantes conjuntos arqueológicos, desde as suas
casas e ruínas de interesse histórico, aos espaços museológicos, às suas
igrejas, ermidas e conventos, aos seus brasões e sinagoga ou, fora da
localidade, aos seus monumentos megalíticos, Castelo de Vide é ponto de paragem
e visita obrigatória para quem está ali a dois passos a passar férias em
Portalegre. Visite-o. Povo de saberes e lendas o deste país!…
Atravessávamos nós (eu e
o meu velho 4X4) a porta de saída, que julgo ser a única por onde se pode sair
de Marvão, quando me acudiu à memória uma ou duas lendas, que de tanto se crer
nelas e por muito se ouvirem contar, se julgam ser verdadeiras. E serão até
verídicas, que de lendas também se faz a história, que não de factos somente.
Conta a lenda - e recordando, aqui, o saudoso professor
doutor José Hermano Saraiva - que:
«certo cavaleiro português foi a Badajoz no
dia em que ali se realizava a procissão de Corpo de Deus, e arrancara das mãos
do espanhol, que levava o alçado, um estandarte nosso que estava em poder dos
habitantes daquela cidade fronteiriça» - e acrescenta a lenda, que «o audacioso
português não podendo entrar em Elvas, por ter encontrado fechadas todas as
portas, arremessara o estandarte para
dentro das muralhas exclamando: "morra o Homem mas fique a fama",
caindo seguidamente em poder dos espanhóis, que o capturaram e levaram para
Espanha, onde o mataram.»
Duas versões, da mesma lenda, elevam a qualidade do
Homem e do Soldado português que por amor a uma causa sacrifica a própria vida.
A primeira versão, diz-nos que «o Governador da
Praça Forte de Elvas, por brincadeira e conhecendo a valentia do soldado, lhe prometera
o posto de general e o Governo da praça se fosse capaz de ir a Badajoz arrancar
aos espanhóis o estandarte que era nosso e o trouxesse consigo.»
Já na segunda versão, «o governador que não via com
bons olhos o namoro da sua filha com determinado oficial seu, ter-lhe-á dito
que só daria a mão de sua filha a um fidalgo ou oficial, que se tivesse tornado
ilustre por um grande feito de armas. E referiu o governador a hipótese de
recuperar o estandarte roubado a Portugal.»
Num e noutro caso se saem os audaciosos cavaleiros
vencedores do feito, mas o governador nega-lhes a entrada na cidade ao
fechar-lhes as portas da mesma, sendo ambos mortos por Castela, não sem que
antes tivessem recuperado o ditoso estandarte.
E cogitava eu, ao volante
do meu jeep que engolia, rasante às bermas e ao precipício, o agreste de curvas
que descem a partir de Marvão, sobre a veracidade da lenda, emitindo para os
meus botões mudos as mais variadas opiniões à revelia do seu autor, de quem
nunca se chegou a conhecer o nome, enquanto
a viatura, num roncar de motor surdo, prosseguia nesta viagem itinerante,
devorando sem descanso os quilómetros infindáveis de asfalto negro a
separar-nos de qualquer outro ponto da civilização.
E de terra em terra lá
fomos nós peregrinando, quase numa eterna romaria, quantas vezes por caminhos
agrestes onde dificilmente progredia o
4X4 ou por veredas insondáveis onde apenas era possível o percurso a pé, umas
vezes entre aglomerados de fragas graníticas a quem a natureza brindou com
formas curiosas, quantas vezes quase humanas, outras vezes por planuras mais
dóceis e fáceis de domar onde as giestas e urzes se passeiam num mar amarelo
das flores-do-cuco, aqui assim chamadas, que pela falta de um inverno rigoroso
anunciam, já, uma primavera que ainda longe se adivinha.
Lá regressávamos ao
asfalto, eu e o meu velho companheiro de viagem, depois de ter colhido a tal
fotografia da tal pedra encravada na ladeira mais além, ou da velha árvore
quase seca e de energúmeno tronco retorcido que se evidenciava, mais ao longe,
na planura distante gritando-me o refrão "as árvores morrem de pé!".
Na linha do horizonte um céu rubro queimava o fim do dia incendiando-o naquelas
cambiantes poéticas que faz perder a noção do tempo a qualquer amante da
natureza.
Não fora uma forte
indigestão, provocada a este insatisfeito buscador de imagens, pelo acentuado
das curvas entre Marvão e Castelo de Vide, que me obrigou a uma fugaz paragem a
fim de procurar a cura milagrosa numa garrafa de água das Pedras, teria, pela
certa, entrado pela tarde dentro, que bem perto se fazia já sentir a noite, de
tripé em riste na busca da melhor silhueta que perpetuasse mais um pôr-do-sol
diferente.
Suba agora, comigo, até Castelo Branco e embrenhe-se na cidade. Notará, pela
certa e facilmente, duas áreas distintas: a antiga vila medieval, com as suas
ruas estreitas e íngremes onde ainda se podem admirar muitas portadas
manuelinas, e uma zona moderna
característica de uma cidade em desenvolvimento.
De Castelo Branco,
erguida na encosta de um monte com a sua função histórica como fortaleza
defensiva, de que é testemunha o castelo, avista-se um panorama que vai até à
fronteira e às vertentes da Gardunha, vendo-se ainda o curso superior do Tejo.
Como atracção turística, tem o leitor o extraordinário Jardim do Paço, criado
no século XVIII pelo bispo João de Mendonça. De desenho formal, a sua
singularidade reside nas abundantes estátuas de granito, de estilo barroco,
representando apóstolos e santos, monarcas, leões e signos, que surgem entre as
alamedas de buxo, ladeando escadarias ou mirando-se narcisicamente nas águas do
lago.
Estamos agora nas Beiras,
e o leitor a passar férias de inverno, algures, por aí... talvez em Castelo Branco, Almeida, Figueira de Castelo Rodrigo... não se julgue, por isso, menos
bafejado pela sorte, pelo facto de não possuir o mar e as suas
praias ali à mão. E se lhe falta apetência ou até mesmo vontade ou vocação para
subir pedrarias ou descer ribanceiras, que tais exercícios fazem bem à saúde,
pela certa ficará entusiasmado e não deixará de ir, depois de ver e conhecer,
connosco, as dez aldeias do país consideradas históricas, e que se localizam na
região.
Monsanto, a "aldeia-mais-portuguesa"
onde a força da pedra fala por si; Piódão,
a "aldeia-presépio" que a noite ilumina com fé; Castelo Novo, a "fonte-da-Gardunha"
que a Forca ensombrou a vida; Idanha-a-Velha,
a "aldeia das guerras-da-fé"; Sortelha, o "anel-de-pedra"; Castelo Mendo, o "vale-perdido";
Almeida, a "estrela-de-pedra";
Castelo Rodrigo, a "aldeia
das ruínas-misteriosas"; Linhares,
a aldeia "entre-o-céu-e-a-terra"; Marialva, o "planalto-das-lendas".
Para
que o leitor da matéria não fique tão em branco, quanto ignorante eu estava
antes de deitar mãos à obra nesta minha digressão, direi aqui muito pouco do
muito que colhi por essas terras dentro destas aldeias históricas.
Idanha-a-Velha surge-nos de repente após uma curva da
estrada e, para lá da "aldeia das guerras da fé", vê-se também imponente e altaneira
a localidade de Monsanto.
No
tempo dos romanos, provavelmente no período de Augusto (sec. I a.C.) foi
fundada Civitas Igaeditanorum,
mais tarde Egitania, já no
tempo dos Visigodos. Vários vestígios poderá o leitor encontrar em
Idanha-a-Velha, estando comprovado que os vestígios mais seguros se referem aos
da época romana, sendo cientificamente certo que a povoação existia em 16 a.C.
E na
pressa de chegar àquela que dizem ser a "Aldeia mais Portuguesa de Portugal", mal me apeei para
desentorpecer as pernas em Idanha-a-Velha.
Da
base da elevação que sobressai na paisagem envolvente, onde nasceu aquela que
terá sido considerada um local sagrado vê-se, imponente, na Torre do Relógio
ou de
Lucano, a réplica
do galo de Prata, símbolo da atribuição de tal título.
Monsanto «recebe-nos de braços abertos. Sem rodeios
mostra-nos, do alto do seu promontório, toda a campina de Idanha e extensas
propriedades. Abre-nos o apetite para os pratos de caça, actividade de grande
expressão na região. Antes do regresso, oportunidade para comprar uma recordação
das adufeiras, o belo chouriço e queijo da região e uma das marafonas que,
dizem, simbolizam a fertilidade» (sic).
É
difícil descrever a beleza natural de Monsanto - natural e agreste - em meia
dúzia de linhas. Em cada esquina uma surpresa… o Forno Comunitário, a Cisterna,
a Capela de São Pedro de Vir-a-Corça, o Pelourinho, a Porta de Santo António, a
Torre do Pião, a Casa de Uma Só Telha, a Casa onde Fernando Namora viveu e
exerceu medicina, enfim… um mar de monumentos raros em pedra feitos. E a custo me
arranquei ao dorso das pedras, sobre as quais impiedosamente me deitava, para
colher o melhor ângulo que me permitisse enquadrar e obter a tal fotografia
dramática e com o impacto visual que se impunha.
Viaje
connosco no tempo e saia da A23 em direcção a Castelo
Novo, já ocupado no
Neolítico e Calcolítico por grupos humanos, e depois ao longo da Idade do
Bronze, época Romana e em período
dos visigodos e muçulmanos.
Uma
curiosidade para o visitante, são os vestígios da Forca, da época medieval, existentes
na Rua do Calvário. Correspondem a uma pedra tendo duas caveiras esculpidas em
relevo, outra com um jogo de tíbias, um sinal em forma de seta e um orifício
onde se colocaria um dos esteios da forca. Destaca-se a localização de Castelo
Novo num cabeço, visível de todo o lado, aspecto importante numa época em que a
povoação possuía poder judicial.
Piódão é um excelente
exemplo de como o homem se conseguiu adaptar aos espaços mais inóspitos criados pela natureza
e fazer deles um lar. As dificuldades e as agruras do terreno de modo algum
limitaram a ocupação de um espaço desde sempre considerado hostil ao homem.
Povoação de ruas sinuosas, estreitas e pequenas, ainda com o traçado medieval, contornando os
limites da serra do Açor, circunda a encosta as suas casas, construídas apenas
em xisto e dispostas em anfiteatro, integrando-se harmoniosamente na paisagem.
Provavelmente foi a iluminação nocturna que lhe fez atribuir o epíteto de
"Aldeia-Presépio". Contrastando com o xisto das paredes e telhados, o
azul dos aros das portas e janelas é a única cor que ali se usa.
Como
curiosidade, fique o leitor sabendo o que de curioso se colhe como ensinamento:
que a inacessibilidade da terra levou ainda a que, noutros tempos, ela se
tornasse o refúgio de foragidos à lei, como foi o caso de Diogo Lopes Pacheco,
um dos assassinos de Inês de Castro, e João Brandão que «atacava de noite para
se refugiar na casa do pároco durante o dia» (sic).
Sortelha, já no concelho de Sabugal, situa-se num esporão granítico
dominante, no intuito de vigiar e dominar todo o espaço envolvente e, deste
modo, prevenir as invasões inimigas. E, de Sortelha, dar-se-á apenas a conhecer
ao leitor a razão da localidade ter o epíteto de "Anel-de-Pedra”, já que para ver o fraco número de construções e
os poucos edifícios monumentais, não precisará, certamente, de guia.
«Certa controvérsia envolve o topónimo da povoação.
Segundo uns autores, a denominação deriva, eventualmente, de um anel "Sortija"
ou "Sortela", utilizado num jogo medieval, no qual os cavaleiros
tentavam enfiar a sua lança. Para Viterbo, linguista, "Sortel" é um
anel de pedras com poderes especiais, semelhante ao anel das feiticeiras. Por
outro lado, este significado poderá estar relacionado com o formato
circular/ovalado do aglomerado urbano. Para o arqueólogo Marcos Osório, o
topónimo poderá derivar da palavra medieval "Sorte", pequena parcela
agrícola, uma vez que a explicação relativa ao anel não surge nos documentos
mais antigos. O facto de os terrenos de Sortelha não serem muito férteis poderá
ter originado a denominação "Sortícula", sorte pequena». In "Aldeias Históricas de
Portugal"
A cerca de 20 quilómetros
de Almeida, localiza-se Castelo Mendo
sobre um maciço
granítico de 700 metros de altitude.
A pesar da grande
importância histórica que lhe é atribuída já desde a Idade Média, pois devido à
proximidade fronteiriça teve um papel importante na defesa e consolidação do
território nacional, quer nos conflitos com Castela na época medieval, quer no
século XVII com as Guerras da Restauração ou no século XIX com as Invasões
Francesas, não cansaremos o leitor com a descrição dos locais que deve visitar,
pois por si toma conhecimento deles, sem grande esforço, mas apenas dar a
conhecer que foi em 1229 que D. Sancho II concedeu Carta de Feira à povoação,
sendo considerada a primeira feira oficial do Reino. Realizava-se pela Páscoa,
pelo São João e pelo São Miguel e tinha a duração de oito dias. Em 1281, D.
Dinis tornou-a Feira Franca, com a periodicidade anual e a duração de quinze
dias. Foi ainda D. Dinis quem nomeou como alcaide D. Mendo Mendes, o que veio
originar o topónimo da Povoação.
Almeida, enquanto localidade, situa-se no Planalto das Mesas, a 2,5 Km
da margem direita do Rio Côa e a 7 Km da fronteira com Espanha.
Tem gerado controvérsia a
origem do seu topónimo. Para uns investigadores, Almeida deriva da palavra
árabe «Al Meda» ou «Talmeida» que significava «mesa» devido a situar-se num
planalto; para outros, o topónimo deriva de «Atmeidan», que significava «campo» ou «lugar de
corrida de cavalos». Seja como for, esta localidade que foi assaz
importante, desde a Idade Média até ao século XIX, na defesa militar do
território, terá visto, certamente, o seu nome derivar do árabe, pela
raiz "Al" predominantemente de origem muçulmana.
E como um pouco de
história não faz mal a ninguém, fique o leitor sabendo que, durante a
Reconquista Cristã da Península Ibérica, aproximadamente entre 1039 e 1297,
Almeida foi palco de inúmeras batalhas entre árabes, leoneses e, no período
final, entre portugueses. Apenas em 1296 D. Dinis conquista definitivamente
Almeida, mas foi com o Tratado de Alcanises, celebrado entre D. Fernando, rei
de Leão e Castela, e D. Dinis, rei de Portugal, em 12 de Setembro de 1297, que
Almeida é reconhecida, pelo primeiro rei, como pertença portuguesa. O
tratado definiu os limites do território continental português, que não tiveram
alteração posterior, à exceção da perda de Olivença em 1801.
E venha agora o leitor
acabar connosco esta digressão pelas Aldeias Históricas de Portugal, ouvindo
contar, por gentes de antanho, certas lendas que se
teceram e fizeram história, pelo menos na mente dos mais crédulos, por terras
de Castelo
Rodrigo,
de Linhares
e Marialva.
Castelo Rodrigo, a "aldeia das
ruínas misteriosas", situa-se sobre uma alta e isolada colina, na cota de
770m a 820m, nos vastos domínios de Riba Côa, a 10 Km da margem direita do rio
Côa, próximo da ribeira de Aguiar, 3 Km a sul de Figueira de Castelo Rodrigo e
a 12,5 Km da raia espanhola.
«O
assento primitivo desta fortaleza ficaria, supostamente, no cume da serra da
Marofa». Presume-se que, quando chegaram os romanos à Península, se «constituísse
um "oppidum" lusitano defendido por um poderoso castro com cidadela e
muralhas torreadas». Desse período da "pax romana" subsistem
vestígios de calçadas, moedas, materiais construtivos e parcelas de muralhas. Datará,
também, «dessa época a construção da fortaleza, na qual Afonso IX de Leão terá
mandado reconstruir as muralhas, em 1209, quando cria o "concelho
perfeito" de Castelo Rodrigo, e lhe atribui foral».
http://www.ippar.pt/monumentos/castelo_castrodrigo.html
Linhares, a aldeia
"entre-o-céu-e-a-terra" ou a "catedral-do-parapente", da
qual não poderíamos falar sem referir este desporto radical, com o seu castelo
estrategicamente colocado sobre um monte de rochedos graníticos de onde se
avista a estrada da Beira, é uma aldeia histórica do século XII. Embora
sendo-o, ela continua agora a história com a inclusão de tal desporto tendo,
para o efeito, uma escola e instalações próprias.
A
noroeste da dominante Serra da Estrela e sobre o extenso e lindo vale do
Mondego, numa altitude de 1200 metros e com um desnível de 480 é, realmente, o
local por excelência, no nosso país, ao desenvolvimento de tal desporto
radical.
Se quer
sentir-se livre, libertar-se do stress diário provocado pelos seus afazeres
citadinos, Linhares é o seu destino. Venha connosco encher os pulmões do ar
puro da montanha e percorra o Parque Natural da Serra da Estrela.
Mas não é, pelas lendas
contadas em livros, que se julga a nossa cultura; muito menos, por elas, se
conhecem as terras e as suas gentes. Por isso, descubra por si o valor
histórico que tais localidades têm. Visite os seus castelos, pedras sobre
pedras, estratos sob estratos, testemunhos vivos esculpidos no tempo que falam
de tantas batalhas travadas entre Mouros e Cristãos; percorra certas ruas onde
imperavam sinagogas, provas de tantas vivências judaicas; entre nas suas
capelas, de granito esculpidas, onde o silêncio impera guardando, para sempre,
o murmúrio da última oração; percorra calçadas empedradas onde ressoa o eco das
sandálias das hostes romanas que no antanho por aí passaram.
De Marialva conta-se, e canta-se (o fado), a propósito dos Marqueses
de Marialva, que o fim das touradas reais em Portugal se ficou a dever ao
fatídico desenlace da Última Tourada
Real em Salvaterra. «O 4.º Marquês de Marialva, D. Pedro José de
Alcântara de Menezes Noronha Coutinho, destacou-se pela sua sabedoria e
destreza como cavaleiro, tendo seu filho, D. Manuel José, herdado do pai tais
habilidades pelo que participava, por isso, todos os anos na tourada real que
se realizava em Salvaterra de Magos, no Ribatejo.
Fatidicamente, numa
dessas touradas, o filho do Marquês de Marialva foi colhido e morto pelo touro
que lidava diante dos olhos de seu pai, do
Rei D. José e de toda a corte que, aterrada, assistia a tão lamentável
acidente. O 4.º Marquês de Marialva, apesar da sua avançada idade, desce à
praça e jurou vingar a morte do filho ou então morrer com ele. Ainda que
impedido pelo rei, O Marquês de Marialva desce à praça, beija a fronte do filho
e manda responder ao Rei: "El-Rei manda nos vivos e eu vou morrer! Sua
Majestade pode tudo, menos desonrar os cabelos brancos do criado que o serve há
tantos anos." Levantou do chão a espada de dois gumes, passou a capa pelo
braço e cobriu-se, colocando-se no centro da arena com a coragem e o sangue
frio de um verdadeiro fidalgo. O touro investe, brutal e cego de ira, mas o
Marquês agilmente evita a pancada, luta durante uns minutos e depois enterra a
espada no garrote do animal que cai morto a seus pés. Vingada a morte do filho,
abraça-se ao seu corpo caído, cobre-o de beijos, e o Rei D. José ordena que
durante o seu reinado jamais se realizassem touradas reais em Salvaterra.»
(sic)
Fica a história de tal "fado",
antes de, "neste País de Lendas e de Histórias feito", passarmos às
Terras do Fim do Mundo - quando o tempo nos der tempo para isso - que se
estendem para lá dos vastos mares de vinhas em socalcos e outros que breve
serão de amendoeiras em flor, a cobrir, eternamente e na sua época devida, o
Alto Douro e o Nordeste Transmontano.
Esse «Reino Maravilhoso»
de Trás-os-Montes que nos ensina Torga, onde em cada homem há um poeta a
abraçar «um mar de pedras» em «vagas e vagas sideradas, hirtas e hostis,
contidas na sua força desmedida pela mão inexorável dum Deus criador e
dominador.» (Miguel Torga in Portugal).
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