REGINA SARDOEIRA |
Por dentro do ser, persiste o de fora do ser, enquanto ilusão ou metáfora da sensação falseada no gume do olhar.
Nunca saberemos o que são as coisas - meras transcrições de apontamentos, visíveis nos torvelinhos vários do tecido complexo da alma ou do corpo
Dizemos alma, como se a alma fosse o etéreo disperso no côncavo do ser; e contudo, a anima permanece nos poros da pele, alimento das veias, matéria nutricional da vida de todos. E o corpo, pesado e térreo, apenas flutua em píncaros de ousadia porque a anima lhe eleva o torso caído, em melancolia ou mágoa.
Nada sabemos; e todavia arriscamos elevar a voz, em verdades que supomos serem a certeza das coisas e dos seres, sedentos de arrimo no dealbar da luz, em cada manhã.
De outro modo, não ousaríamos erguer os pés e andar, no torvelinho inventado pela nossa cupidez. Mais vale não ter, não querer, não falar e sobretudo não ouvir, deixando de lado a necessidade do aplauso, do acordo ou do panegírico, evitando ajuizar ou apor rótulos na testa daqueles que jamais saberemos.
A melancolia é um lago onde o vazio espelha as suas cores opacas de negritude e medo (ou então é, do grego, μελαγχολία – melagcholía; de μέλας – mélas, "negro" e χολή – cholé, "bílis); e logo se esvai a poesia extrínseca ao estado dito de alma e no entanto enquistado no corpo como bílis e negrume e tudo se pulveriza numa estranha consciência de que mais vale afastar o surto de líquido, feito viscosa regurgitação de humores empestados, onde a alma entorpece e não ousa triunfar da decrepitude instalada pelo oceano negro da bílis.
Pensamentos aleatórios, estes, que hoje saem da ponta dos meus dedos; e contudo absolutamente lógicos, porque ser aleatório e forçado à regra, pela racionalidade estulta dos homens é, afinal, a verdade da vida.
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