quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

DA FLOR DE JANEIRO NINGUÉM ENCHE O CELEIRO

ANABELA BORGES
E A GATA CHICA
Podia dizer que me encontro cheia de ânimo para o novo ano que começa. Mas não seria verdade.
Não agora, que os dias são escuros e frios, que temporais infinitos agitam os nossos corações. Não agora, que a minha gata, com 12 anos de vida, e sem alguns dentes, está desaparecida, há precisamente quatro dias. Raios! Uma gata com esta considerável idade, com este nível de educação caseira, uma gata que diz um vibrante, “Olá”, logo pela manhã, feliz de nos ver, que esfrega o focinho macio no nosso pescoço, atrás do cabelo, para se sentir o mais próxima de nós possível, que se espreguiça de felicidade quando ouve música, uma gata assim é respeitosa e inequivocamente um membro da família.

Eu nunca poderia sentir-me cheia de ânimo no mês de Janeiro, em nenhum mês de Janeiro dos que até hoje vivi, tanto mais agora com a minha gata desaparecida.
Sempre senti o mês de Janeiro, lá fora, como um lar impossível de habitar, por isso, hostil, por isso, desabrigado.
Sempre me pareceu, o Janeiro, um mês difícil e imenso – extenso, difícil de passar.
E, ainda para mais, em Janeiro tenho de desmontar os enfeites do Natal (o mês de Dezembro passa tão veloz!), festa que é, para mim, a mais apreciada do ano.
O tempo psicológico é tramado. É mais cruel que o tempo do calendário, bem o sabemos todos nós.

Se eu mandasse, baixaria uma lei que decretasse o mês de Janeiro como o mês da hibernação. Eu hibernaria, de bom grado, com as minhas gatas. Fecharia os olhos, a boca, a alma. Fecharia quase tudo. Faria um esforço mínimo, não exigindo, assim, gastos de maior. Uma média luz, uma cama sempre aberta, uma água, um chá, um pouco de alimento (o mínimo necessário), uma música a tocar baixinho, seriam os redutos essenciais. Um livro aberto. Ah, isso sim, teria de ter livros para abrir e deixar o meu espírito derramar-se no espanto daquelas palavras lá guardadas, em segredo, até que eu as soltasse.
Assim passaria eu, sem tanto pesar, sem tanto desânimo, sem tanto esforço, o longo e penoso mês de Janeiro.
Começo o texto com um provérbio alusivo ao mês de Janeiro – “da flor de Janeiro, ninguém enche o celeiro”, pois, de facto, onde já se viu, num país com o clima como o nosso, eu ter no meu jardim os cactos cheios de vivacidade (planta que só gosta do Verão), as orquídeas, os jarros e os lírios em flor (quando habitualmente só rebentam no Verão), as camélias já perdidas, todas derramadas no chão (quando costumam aguentar até à Páscoa) e as laranjeiras a darem a segunda colheita no ano? Oh, Janeiro, andas cá para nos enganar! Apanhaste o Dezembro quente e agora fazes a tua vingança – sorris com essa ventania toda, enches os rios, revolves as marés. Desabitas as pessoas e os bichos. Destróis.
DEUS JANO
NUMA MOEDA ROMANA
Eu, de facto, não gosto do mês de Janeiro. É um mês que não me passa a direito, que não se desenvolve nos carris do tempo, que fica emperrado e cheio de escuridões.
Sabes, Januarius, ou deus Jano, ou lá que raio de estirpe herdaste para seres dos meses o mais amargoso
para mim? Não me enganas com as tuas duas caras – não me enganas com uma cara a olhar para trás (o passado) e outra para a frente (o futuro) – ou, por outras palavras, com “um olho no cego e o outro no burro”. Queres tudo, afinal, e a mim só me interessa o aqui e o agora…  
E eu bem suspeita sou para falar, que nasci em Janeiro.
Seria mais feliz se pudesse hibernar. E um Janeiro verdadeiramente amistoso, que me fizesse mudar de opinião para sempre, esse, trazia-me a gatinha de volta. Isso sim seria um Janeiro em grande.


Ainda há-de vir o Janeiro que me faça gostar de Janeiro. 

GATA CHICA À VARANDA
DESAPARECIDA DESDE SÁBADO EM TELÕES, AMARANTE

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