GABRIEL VILAS BOAS DR |
O
ébola é um vírus que mata há trinta e oito anos!
No
último mês, as televisões europeias foram relatando casos e supostos casos de
ébola que atingiu cidadãos da Europa e dos EUA. Entre a ignorância, o medo e a
busca desenfreada duma cura para ontem, as populações do mundo ocidental
deram-se conta que a febre hemorrágica ébola não tem vacina que neutralize o
vírus e que a taxa de mortalidade da doença é de 90%.
“Como
não há vacina?” – terão pensado muitos espanhóis, italianos ou franceses,
espumando indignação frente ao televisor.
No
nosso conceito, sempre bem informado e muito civilizado, só não há cura para a
sida ou para o cancro e mesmo para esses a medicina consegue enfrentá-los,
minorando a doença, adiando a sua vitória.
Mais
indignados ficamos, quando uma consulta num sítio qualquer da internet nos
informa que a doença já fez trinta e oito anos. A revolta cresce ao perceber
que a indústria farmacêutica disponibilizou rapidamente medicamentos em teste para
acorrer à situação dos europeus e dos americanos em perigo. Leio que dois
americanos foram salvos pelo fármaco 2MPapp, até agora só testado em macacos.
A
medo, lá explicam que a ocorrência da doença é episódica e nunca atingiu mais
de mil pessoas por anos, com exceção deste. Todavia, em trinta e oito anos, o
ébola já deve ter ceifado um número correspondente ao dobro da população da
cidade de Amarante e ninguém se preocupou em mandar umas caixas de 2MPapp, para
macacos, ou outro qualquer fármaco experimental para a Libéria ou para o Congo.
O
problema nunca foi o número “reduzido” (!?) de casos de ébola ao longo de
quatro décadas, o problema é que os infetados sempre foram negros e africanos –
essa subespécie humana. Foi preciso morrerem uns europeus de cor branca para
acordarmos para a vida e o africano ganhar dignidade humana.
Em
África morre gente à fome, em África faltam vacinas básicas, em África falta
humanidade europeia.
Na
Europa atrozmente insensível em que vivemos, a opinião pública e publicada não
percebe que ser grande e de primeiro mundo é, antes de mais, garantir que todo
o mundo tenha o básico, assegurar a dignidade humana, em forma de saúde e
educação, para todos.
POST
SCRIPTUM: O Ricardo Pinto alertou-me para o facto de esta ser a centésima
crónica da Birdmagazine. Fico
contente pela coincidência de ser eu a escrevê-la. Escrever uma crónica na
Birdmagazine é um privilégio que o Ricardo me proporciona semanalmente há nove meses;
é a possibilidade de fazer por prazer aquilo que sempre foi a minha paixão
profissional. Partilho este espaço com a Anabela Borges, Regina Sardoeira e
Alina Vaz. Gosto muito de as ler a todas e espero que continuem por muito
tempo.
Refletir
sobre aquilo que nos rodeia é um ato de cidadania, uma oportunidade de
aprender, um bocadinho de nós que partilhamos com os outros.
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