sexta-feira, 22 de agosto de 2014

SINTOMAS DUMA DOENÇA MAIOR

GABRIEL VILAS BOAS
DR
O ébola é um vírus que mata há trinta e oito anos!
No último mês, as televisões europeias foram relatando casos e supostos casos de ébola que atingiu cidadãos da Europa e dos EUA. Entre a ignorância, o medo e a busca desenfreada duma cura para ontem, as populações do mundo ocidental deram-se conta que a febre hemorrágica ébola não tem vacina que neutralize o vírus e que a taxa de mortalidade da doença é de 90%.
“Como não há vacina?” – terão pensado muitos espanhóis, italianos ou franceses, espumando indignação frente ao televisor.
No nosso conceito, sempre bem informado e muito civilizado, só não há cura para a sida ou para o cancro e mesmo para esses a medicina consegue enfrentá-los, minorando a doença, adiando a sua vitória.
Mais indignados ficamos, quando uma consulta num sítio qualquer da internet nos informa que a doença já fez trinta e oito anos. A revolta cresce ao perceber que a indústria farmacêutica disponibilizou rapidamente medicamentos em teste para acorrer à situação dos europeus e dos americanos em perigo. Leio que dois americanos foram salvos pelo fármaco 2MPapp, até agora só testado em macacos.
A medo, lá explicam que a ocorrência da doença é episódica e nunca atingiu mais de mil pessoas por anos, com exceção deste. Todavia, em trinta e oito anos, o ébola já deve ter ceifado um número correspondente ao dobro da população da cidade de Amarante e ninguém se preocupou em mandar umas caixas de 2MPapp, para macacos, ou outro qualquer fármaco experimental para a Libéria ou para o Congo.
O problema nunca foi o número “reduzido” (!?) de casos de ébola ao longo de quatro décadas, o problema é que os infetados sempre foram negros e africanos – essa subespécie humana. Foi preciso morrerem uns europeus de cor branca para acordarmos para a vida e o africano ganhar dignidade humana.
Em África morre gente à fome, em África faltam vacinas básicas, em África falta humanidade europeia.
Na Europa atrozmente insensível em que vivemos, a opinião pública e publicada não percebe que ser grande e de primeiro mundo é, antes de mais, garantir que todo o mundo tenha o básico, assegurar a dignidade humana, em forma de saúde e educação, para todos.
POST SCRIPTUM: O Ricardo Pinto alertou-me para o facto de esta ser a centésima crónica da Birdmagazine. Fico contente pela coincidência de ser eu a escrevê-la. Escrever uma crónica na Birdmagazine é um privilégio que o Ricardo me proporciona semanalmente há nove meses; é a possibilidade de fazer por prazer aquilo que sempre foi a minha paixão profissional. Partilho este espaço com a Anabela Borges, Regina Sardoeira e Alina Vaz. Gosto muito de as ler a todas e espero que continuem por muito tempo.
Refletir sobre aquilo que nos rodeia é um ato de cidadania, uma oportunidade de aprender, um bocadinho de nós que partilhamos com os outros.

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