ANABELA BORGES DR |
Regresso de duas
semanas de férias na praia.
A vida segue,
essa roda-viva, mais calma nas férias (é certo), que nos leva em divagações, a
percorrer pensamentos e memórias, sonhos e distracções, para nos devolver
sempre à realidade quente e fria dos dias mais ou menos inquietos, mais ou
menos redundantes.
A vida, essa
encruzilhada, tem feito cruzar nos meus caminhos uma fileira de pessoas, que
vão formando uma roda gigante de amizades, conhecimentos, espantos, regozijos e
decepções. De tudo.
Mas sem dúvida,
por caminhos insondáveis, que não sei explicar pela física nem pela metafísica,
a vida tem-me oferecido cruzar-me com pessoas verdadeiramente admiráveis.
A maturidade
vai-me levando a usar afirmações que antes me pareciam frases-feitas, asserções
descabidas, sem nexo de serem explicadas (não é da idade, vá, é maturidade só,
pode ser?), como “nada acontece por acaso”. Eu cá não sei se isso é verdade,
mas dou comigo a não-questionar, e creio que isso talvez seja uma forma de aceitação.
E se alguns dizem que “não há coincidências”, aí eu não poderia estar mais em
desacordo, porque a minha vida está carregadinha delas. E, na minha modesta
visão, talvez que eu não saiba explicar as coisas de outra forma, serva que sou
da vida, eterna aprendiz de acasos.
Digo, então, que
a minha vida está cheia de coincidências. Tenho tantas histórias de
coincidências para contar, que… bem, talvez dêem mais um livro a ser publicado
(quem sabe?).
Nestes dias de
Agosto, vou encontrar-me com algumas dessas pessoas admiráveis, com quem
habitualmente comunico por outros meios, visto estarem a viver muito longe
daqui. Não caibo em mim de me saber tão perto delas, de poder dar-lhes dois
beijos e um demorado abraço, de poder olhá-las nos olhos e falar com elas. É
assim admirável a vida, feita tão simplesmente e complicadamente de encontros e
desencontros. (E agora fiquei muito feliz por saber que essas pessoas me querem
bem como eu lhes quero a elas, feliz só de pensar em vê-las.) Prometo dar-vos
conta, neste espaço, desses abraços. Está prometido.
Mas haverá maior
desencontro na vida que a guerra?
“Pensar incomoda
como andar à chuva”. Mas por que me incomoda tanto pensar?, por que me pesa
pensar? Eu não consigo ser esse ser não-pensador, com o olhar “nítido como um
girassol”, que é o Alberto Caeiro, e no entanto não deixarei de concordar que “Há
metafísica bastante em não pensar em nada”*. Eu penso pesadamente nas coisas,
demoradamente, e por caminhos tão insondáveis que, por vezes, me distorcem o
real.
Penso na guerra
como uma mortandade, caminhos, longos como rios, manchados de sangue. Penso na
guerra com a mesma inquietude com que contemplo o horizonte indefinido de um
oceano.
Penso
pesadamente na guerra em Gaza. Penso na mortandade, na quantidade de inocentes
que paga tão elevada factura de existir – “olho por olho, dente por dente”,
pedra contra pedra, sangue por sangue…
Eu não tomo
partidos nas guerras. Ninguém tem razão na guerra. Se alguém a teve, perdeu-a
no preciso instante em que foi atirada a primeira pedra, seguida da pedra de
resposta. Não devia haver “pedras de resposta” na guerra – vingança; pagar na
mesma moeda.
Ninguém ganha na
guerra. Na guerra, é só perder.
E, ainda assim,
a guerra é o logro da conquista. É o Homem a orgulhar-se dos troféus da
conquista, manchados de sangue nas mãos.
Aflige-me esta
vida diária sangrenta, a dor, a destruição. Aflige-me esta escalada de ódio.
O caso da Faixa
de Gaza é tão crónico, que se torna difícil recuar às origens para identificar
o(s) problema(s). E os motivos, eles próprios, vão sendo modificados com o
tempo pelas mentes humanas, porque não desistem de estar em guerra. Reincide,
reincide, reincide. Não há paz!
Muitos
justificam os conflitos como um dever histórico do passado, para fundamentarem
as guerras do presente. Muitos implicam o seu “deus” e aclamam-no para o centro
das guerras, e depois chamam-lhes “guerras santas”. Tanto que fazem, tanto que
destroem, tanto pela conquista do nada que é apressar a morte.
Extermínios,
etnocídios, genocídios, desastres humanitários; Israel, Palestina, Iraque,
Síria… Não há lógica nisto, justificação.
O “estado de
sítio” em que se encontram diversas partes do mundo só pode cobrir-nos de
vergonha.
Por tempos
infindos, Hiroshima há-de observar-nos enferma pelo canto do olho. E o
Holocausto ainda aqui tão perto.
Tudo tão perto e
tanto já esquecido.
Vergonha!
*Trechos de versos de poemas Alberto Caeiro (Fernando
Pessoa).
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