sábado, 9 de agosto de 2014

À PROCURA DUM ABRIGO

GABRIEL VILAS BOAS
DR
Li há pouco que a polícia judiciária apanhou dois indivíduos que, há dois anos, tinham agredido e espancado até à morte, um sem-abrigo, em Lisboa. Fiquei chocado e revoltado. Tanta desumanidade, crueldade, indignidade acumulam aqueles dois jovens adultos, apanhados pela PJ.
Os maus tratos aos sem-abrigo são um fenómeno com algum historial em Portugal. O Caso mais antigo tem nove anos e ocorreu em Valpaços quando um casal espancou até à morte um sem-abrigo de 60 anos. No ano seguinte, ocorreu o caso mais mediático, quando um bando de treze adolescentes atirou para o fosso dum prédio em construção Gisberta, transexual brasileira, no Porto. O caso gerou muita revolta, especialmente entre as comunidades gay e lésbica, e por estes dias o cinema S. Jorge, em Lisboa, ainda exibe a peça teatral “Gisberta” que procura relembrar o direito à diferença. No final de 2011, um idoso do Montijo foi assaltado e espancado até à morte, na sua casa.
Já são situações a mais para mantermos esta suja indiferença. Os sem-abrigo não são bocados de gente nem lixo humano que habita as noites das grandes cidades, de quem desvíamos o olhar quando vamos ao teatro ou vimos da discoteca. São PESSOAS, com dignidade, com sentimentos, com História, como qualquer um de nós.
Não são um bando de malandros que não quer trabalhar e que dorme nas ruas por capricho. Provavelmente, são seres humanos a quem “erros seus e má fortuna” atiraram para o abismo da vida. Agora, fisicamente debilitados e psicologicamente destruídos são incapazes de erguer um bocadinho da sua auto-estima.
Infelizmente há cada vez mais mendigos e sem-abrigo pelas nossas cidades. Perigosamente estamos a habituarmo-nos a um postal social das nossas cidades, onde os sem-abrigo já fazem parte da fotografia, ao mau estilo sul-americano.
Fica-nos muito mal este encolher de ombros coletivo, esta falta de humanidade cobarde, que deixa acumular homens e mulheres pelos cantos de Lisboa, Porto, Braga, Setúbal, Aveiro, Braga… sempre à espera que uma qualquer brigada da Cáritas ou da boa vontade varra o lixo da nossa consciência, com umas sandes, uma tigela de sopa e uns agasalhos para o frio.
Tenho um amigo, o Marcelo Gomes, que há anos aplica algum do seu tempo a levar algum conforto a esta gente. Admiro-o muito. Louvo-o e estou grato.

Daqui por algum tempo, os políticos distribuírão novamente beijos, guarda-chuvas e aventais em troca do nosso voto. Alguns até são capazes de falar destes companheiros, desafortunados. E nós, que faremos então? Desferiremos mais um soco de indiferença nestas pobres criaturas ou ganharemos, finalmente, coragem para exigir uma medida que resgate a nossa má consciência? 

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