GABRIEL VILAS BOAS DR |
Li há pouco que a polícia judiciária apanhou dois indivíduos que, há dois
anos, tinham agredido e espancado até à morte, um sem-abrigo, em Lisboa. Fiquei
chocado e revoltado. Tanta desumanidade, crueldade, indignidade acumulam
aqueles dois jovens adultos, apanhados pela PJ.
Os maus tratos aos sem-abrigo são um fenómeno com algum historial em
Portugal. O Caso mais antigo tem nove anos e ocorreu em Valpaços quando um
casal espancou até à morte um sem-abrigo de 60 anos. No ano seguinte, ocorreu o
caso mais mediático, quando um bando de treze adolescentes atirou para o fosso
dum prédio em construção Gisberta, transexual brasileira, no Porto. O caso
gerou muita revolta, especialmente entre as comunidades gay e lésbica, e por
estes dias o cinema S. Jorge, em Lisboa, ainda exibe a peça teatral “Gisberta”
que procura relembrar o direito à diferença. No final de 2011, um idoso do
Montijo foi assaltado e espancado até à morte, na sua casa.
Já são situações a mais para mantermos esta suja indiferença. Os
sem-abrigo não são bocados de gente nem lixo humano que habita as noites das
grandes cidades, de quem desvíamos o olhar quando vamos ao teatro ou vimos da
discoteca. São PESSOAS, com dignidade, com sentimentos, com História, como
qualquer um de nós.
Não são um bando de malandros que não quer trabalhar e que dorme nas ruas
por capricho. Provavelmente, são seres humanos a quem “erros seus e má fortuna”
atiraram para o abismo da vida. Agora, fisicamente debilitados e
psicologicamente destruídos são incapazes de erguer um bocadinho da sua
auto-estima.
Infelizmente há cada vez mais mendigos e sem-abrigo pelas nossas cidades.
Perigosamente estamos a habituarmo-nos a um postal social das nossas cidades,
onde os sem-abrigo já fazem parte da fotografia, ao mau estilo sul-americano.
Fica-nos muito mal este encolher de ombros coletivo, esta falta de
humanidade cobarde, que deixa acumular homens e mulheres pelos cantos de
Lisboa, Porto, Braga, Setúbal, Aveiro, Braga… sempre à espera que uma qualquer
brigada da Cáritas ou da boa vontade varra o lixo da nossa consciência, com
umas sandes, uma tigela de sopa e uns agasalhos para o frio.
Tenho um amigo, o Marcelo Gomes, que há anos aplica algum do seu tempo a
levar algum conforto a esta gente. Admiro-o muito. Louvo-o e estou grato.
Daqui por algum tempo, os políticos distribuírão novamente beijos,
guarda-chuvas e aventais em troca do nosso voto. Alguns até são capazes de
falar destes companheiros, desafortunados. E nós, que faremos então?
Desferiremos mais um soco de indiferença nestas pobres criaturas ou ganharemos,
finalmente, coragem para exigir uma medida que resgate a nossa má consciência?
Sem comentários:
Enviar um comentário