REGINA SARDOEIRA DR |
No
tempo em que fui uma professora de referência, costumava mostrar aos alunos o
filme “Clube dos Poetas Mortos”. Lembro-me de o fazer quando dei aulas na
Escola Secundária de Amarante, em 2000/2001, expressamente para uma das turmas
– Curso de Eletricidade, 10º ano, 30 rapazes! – porque, depois de esforços
extremos para captar-lhes o interesse pela filosofia, me pareceu ser aquele um
argumento decisivo. Os alunos viram o filme, atentamente e, no fim, pediram-me
que os deixasse ver de novo a cena final. Acedi. A seguir comentaram: “A
professora quis dizer-nos que, para merecermos um professor daqueles, temos que
ser parecidos com os alunos dele!”
Foi
uma interpretação que aceitei porque, de facto, se não houver uma centelha, ainda
que leve, nos alunos que lecionamos, as aulas não podem ter brilho e os alunos
não podem ligar-se ao professor.
Se
escrevo que fui uma professora de referência, assim, no passado (com este verbo
«fui») é porque, ao longo dos últimos quatro anos, tenho vindo a sentir que o
estilo que fez de mim, paradigma, já pouco importa ao ensino nos tempos que
correm.
Agora,
é necessário lançar mão do manual, parafraseá-lo, fazer os alunos decorar
palavreado, dar-lhes testes formatados, com questões de escolha múltipla e,
enfim, prepará-los para um exame, também ele formatado, também ele baseado em
estereótipos decalcados dos manuais. Percebi que nem a escola, nem os restantes
professores, nem os alunos querem saber de «aprender a pensar», «pensar pela própria
cabeça», «encontrar o seu modo de estar no mundo», «formar a sua própria
conceção da vida», etc.: tudo aquilo que sempre considerei de primeiro plano no
ensino da Filosofia.
Estudar
Platão, Descartes, Kant? Sim, certamente, mas com o objetivo de trazer o seu
pensamento, universal e intemporal. para a atualidade, para a prática do
existir, para o quotidiano. Adepta da filosofia prática, empenhei-me sempre em
deixar um lastro que permanecesse para além dos dois ou três anos de filosofia
do ensino secundário; querendo que os alunos descobrissem, por si mesmos,
fi-los desvendar respostas, em lugar de lhes dar a receita já construída e
testada; fomentando a abertura de espírito, fiz-lhes crer que, perante uma
certa questão, haverá sempre, pelo menos, duas possíveis respostas e um
conjunto de argumentos para justificar uma e o seu contrário.
Mas
agora não é isso que os alunos esperam de uma aula de filosofia, não é isso que
o sistema quer de uma aula de filosofia. E então, mostrar-lhes O Clube dos Poetas
Mortos não fará o mínimo de sentido.
Sei
do que falo, porque no ano letivo que passou, fiz a experiência e levei o filme
para a aula: acreditam, se disser, que não aconteceu nada com aqueles alunos
entediados e ávidos pelo intervalo? Acreditam que muitos deles aproveitaram a
aula para se distraírem, verem fotografias, trocarem mensagens de telemóvel,
etc. e que precisei de andar de pé, pelo meio deles, para os obrigar a prestar
atenção? Como não foi possível mostrar o filme num período apenas de aula, pensei
mesmo não lho mostrar até ao fim, senti que eles não mereciam, que, quer vissem
ou não o filme, nada mudaria para eles. Percebi que havia perdido horas de aula
em que não tínhamos aberto o manual e lido os textos e feito as fichas e
revisto a matéria!
E
agora que uma notícia dolorosa me fez revisitar as aulas de Mr. Keating,
percebo que passei para a fila de trás, entre os professores de filosofia,
percebi que o estilo que me granjeou algum sucesso e me fez ser, como disse,
referência, enquanto professora, neste momento pouco importa: qualquer pessoa,
licenciada ou não em filosofia, com boa média de curso, com má média ou sem
nenhuma média, pode perfeitamente lançar mão do manual e dar as aulas que o
sistema pede!
Hoje,
abri a página inicial do Facebook e vi homenagens ao ator Robin Williams,
homenagens a Mr. Keating, citações de Walt Whitman e de Horácio (Carpe diem, quam minimum credula postero = Aproveita o dia de hoje e confia o mínimo possível no amanhã) e senti-me ludibriada porque esta máxima, tornada comum, por causa do filme que deu celebridade ao ator que morreu, é um slogan, apenas um slogan…e talvez a morte, de causas ainda obscuras, do intérprete de Mr. Keating possa corroborar a segunda parte da sentença de Horácio. Talvez ele, Robin Williams, tenha aproveitado o dia até ao momento em que deixou de confiar no amanhã. Nunca o saberemos!
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