Não podia deixar
terminar o mês de Agosto sem dirigir umas palavras de apreço, que trago sempre no
coração, aos emigrantes.
ANABELA BORGES DR |
Eu costumo dizer
que, na minha terra, é dos emigrantes o mês de Agosto.
Respeito muito este
mês, porque devolve-me a possibilidade de (re)encontrar muitos destes
emigrantes, que sonham todo um ano em regressar às origens. E vivem como que
num tempo perro, por vezes preso, como entre as paredes de um caleidoscópio,
vidrilhos de mil cores e feitios, à espera de um sinal no calendário, que é o
regresso a CASA. A casa onde têm o coração.
Os primeiros
destinos dos portugueses acompanharam as conquistas, as descobertas e a
expansão marítima. As primeiras vagas foram para as praças fortes do norte de
África. Crê-se que no final do século XV, cerca de 100 mil portugueses haviam
já emigrado.
Mais
recentemente, entre as décadas de 30 e 50 do século XX, muitos, como o meu
padrinho (irmão do meu pai, que emigrou para a Alemanha), partiram para
diversos destinos, em busca de uma vida melhor.
Em 1954, o
senhor Fernando deixou o pequeno lugar onde nasceu, de nome Aboim, no norte de
Portugal, atravessou o Atlântico, rumo ao Brasil, onde se instalou para viver. Optimista,
ele diz que se livrou da guerra. Lá, encontrou a mulher da sua vida, num
casamento que deu frutos, filhos e netos, e já completou as “bodas de ouro”. Na
mesma época, tal como o senhor Fernando, cinco tios do meu marido (todos
irmãos), oriundos de um lugar remoto pertencente a Santa Marta de Penaguião,
seguiram o mesmo destino, como tantos e tantos outros fizeram.
Estima-se que entre
1958 e 1974, 1,5 milhões de indivíduos tenham abandonado Portugal. As
estatísticas oficiais registam, por exemplo, que só no ano 1973, que antecede a
Revolução de Abril, 123 mil pessoas emigraram.
Tantos partiram
em busca de uma vida melhor, na época lutando contra o clamor salazarista do
“orgulhosamente só”. Tantos escaparam à guerra, à custa de deixarem famílias
sem um elemento, ou partidas a meio, ou partidas por inteiro.
No final da
década de 80 e inícios da década de 90, vi eu partir tantos outros, muitos a
abandonar os estudos, a interromper uma vida e a iniciar outra, como aconteceu
com a minha amiga Emília, que foi para a Suíça e lá continua até aos dias de hoje.
Ao longo de tantos
séculos, muitos milhões de portugueses espalharam-se por todo o mundo. Muitas
vezes, fizeram-no por razões culturais, outras pelo espírito de aventura, mas os
casos que eu conheço existiram sobretudo por motivos de sobrevivência, para
encetar a busca de uma vida melhor – a buscar o que o seu país lhes não dá.
Na realidade,
muito haverá para aprender, sobretudo em termos sociológicos, sobre o fenómeno
migratório português. Acredito que a emigração portuguesa ainda está por compreender
em toda a sua extensão e implicações.
A emigração
portuguesa é um “eterno retorno”. A roda dentada do tempo gira e cria uma nova
onda de emigração, a cada instante isso acontece, como está a acontecer agora –
todos os dias gente partindo, agora como outrora, como um fado. Levam assombros
no olhar, lágrimas e incertezas, e mãos vazias de tudo. E mais do que o
silêncio, a distância e a saudade, carregam vidas aos ombros.
O emigrante
português, apesar das asas que lhe enfeitam o coração, procura sempre o solo em
que se há-de alimentar a sua sorte, como árvore de fortes raízes a agarrar-se à
terra que o viu nascer. Não se renega nunca. Sempre regressa.
Não podia deixar
acabar o mês de Agosto sem lembrar o emigrante. Boa viagem. Bom regresso. Bom
final de tanto. Bom (re)começo de outro tanto que está PORvir – tanto que
sabemos já (que o intuímos) e outro
muito tanto de incertezas.
Assim são os
emigrantes do meu coração:
Debatem-se
em alegrias,
Conversas
rasgadas e risos,
do
nascer ao sol-posto.
E
é deles a noite e o dia:
as
festas e as romarias, as ruas e a sombra das árvores, o folclore e a aldeia, o
rio, o mar e a areia…
É
deles o mês de Agosto,
que
trazem bem guardadas
as
adversidades de um ano todo,
porque,
em Agosto,
é
de esperança inequívoca
o
seu rosto.*
*De uns verso que escrevi.
Gostei muito de ler e reler este texto e como eu gostaria de "saber" comenta-lo... Mas para dar uma pequena ideia do que senti vou citar apenas três frases que tanto dizem: "Levam assombros no olhar, lágrimas e incertezas e mãos vazias de tudo". Os versos são também um hino ao imigrante.
ResponderEliminarMuito obrigada, caro Leonardo Meireles. A sua leitura é muito importante e um alento. Bem-haja! Anabela Borges.
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