ANABELA BORGES |
Há
muito poeta e pouca poesia.
Há
muito quem se diga poeta, com todas as letrinhas, sem nunca ter lido um livro
do princípio ao fim. Há mais poetas que leitores? Pois que assim seja, se assim
o desejarem ser.
Seja
poeta quem quer! Seja!
Ninguém
é alguém para dizer quem pode ser poeta ou não ser. Eu até acho que há gente
que é poeta sem o saber.
Talvez
seja como os ladrões, como disse António Aleixo: “[...] há muitos que eu conheço
/ Que não parecendo o que são, / São aquilo que eu pareço”.
Agora,
POESIA… poesia é outra coisa. Será. Mas eu não sei dizê-la. Sabeis vós? A
poesia é redonda e aberta, inteira e infinita.
É
talvez como diz Sophia, no conto Os Três
Reis do Oriente: “um justo acordo de palavras, um equilíbrio de sílabas, um
peso denso, o esplendor da linguagem, um tecido compacto e sem falha que apenas
fala de si próprio e, como um círculo, define o seu próprio espaço e nele
nenhuma coisa mais pode habitar. O poema não significa, o poema cria.”
O
poema vale por si, é uma história. Mas abre portas sem fim.
Como
isto que eu escrevi. Assim:
“O dia nasce de cinzas
e silêncios
que, devagar, se fazem rumores da
cidade,
ao longe.
[…]
Cinza quase tudo,
numa frescura de orvalhos
melosos,
pingados em lentos desembaraços.
Desembaraça-se o dia,
soltam-se as amarras dos braços.”
Pois.
E quem disse que isto era P O E S I A ?
Ó,
aflitinhos de nada! Julgais-vos sabedores de tudo. Nada sabeis.
Também
Miguel Torga assim dizia:
“A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento
[…]”.
Ah,
pois. Este foi O Poeta quem o escreveu, dizeis.
Ó,
ímpios! Mas julgais vós que o poeta é que dá nome à poesia? Mas quão enganados andais!
A poesia dá nomes ao poeta! Essa é, pela certa, a pureza do poema: pegar no
verbo, limpo e tosco; olhá-lo de todos os ângulos, ou de um apenas.
Por
causa das coisas fui perguntar aos mais jovens. Perguntai-lhes e vede. Ide. Ouvi-os!
Eles têm a alma imaculada. Sabem dizê-lo melhor, e sem pudor.
Perguntei
ao Pedro e ao João, à Ana, à Inês, à Ariana, ao Lucas, à Diana, à Francisca, à
Beatriz. E eles disseram assim:
“Uma
parte de mim: como um texto com aspas, no início, e sem fim”;
“Sonhar
como uma criança”;
“Pensamento
livre”;
“Como
a Natureza: bela e imprevisível”;
“Como
um sonho, onde nada é impossível”;
“Ter
vontade de voar”;
“Navegar
em muitas águas”;
“O
jogo das palavras”;
“Expressão
da alma”;
“Vida
eterna”.
Também
o meu Pascoaes. Peço desculpa, nosso. Já pedi desculpa: nosso. Também ele
gritou à sombra:
“Ah, dize-me a palavra derradeira;
A mágica palavra, que tem sido
Um pálido murmúrio imperceptível,
Um reflexo de voz, indefinido,
Mais um silêncio vivo e
deslumbrado,
Na boca dos profetas e dos
santos...
E sussurro mecânico e pesado,
Na boca seca e árida dos
sábios...”
E
os jovens a quem perguntei “O que é
POETA? O que é POESIA?” – pegai lá:
“Azul
escrito num horizonte infinito”.
E
isto tudo sem absolutos, num pano de fundo com a eterna Sophia a repetir: “Num
poema não devemos buscar sentido, pois o poema é ele próprio seu próprio
sentido. Assim o sentido de uma rosa é essa própria rosa”.
O
mundo.
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