sexta-feira, 5 de junho de 2015

INSÓLITOS À VOLTA DE UMA URNA

JORGE NUNO
O striptease tornou-se tradição em algumas zonas rurais da China, por ocasião dos… funerais. Aos olhos dos ocidentais estas práticas, no mínimo, são vistas como estranhas. Será preciso um esforço suplementar para tentar compreender o que está por trás disto. Há a seguinte crença, por parte dos chineses: para que haja “boa sorte para o defunto” é importante haver muita gente no funeral e uma aparência alegre e festiva, não sendo importante que as pessoas presentes no funeral conheçam o recém-falecido!
Assim, desde banquetes e outros festins, avançou-se rapidamente para o striptease, em que muitas vezes a performance é feita em palco, com a projeção, em tela, da imagem do “homenageado”. Este tipo de serviço, fornecido por empresas especializadas, fica próximo dos € 300 e quase todos os dias do mês há trabalho.
No entanto, uma notícia recente do jornal oficial “China Daily” dá conta que o Governo chinês, através do Ministério da Cultura, vem “estragar a festa”! Não só reprova este tipo de shows nos serviços fúnebres, como diz serem “severamente castigados” os organizadores, a quem será aplicada também uma multa de € 10.500. Terá sido criada uma linha telefónica exclusiva, tendo em vista a denúncia de “irregularidades funerárias”. 
Já no Reino Unido a música é outra, pois abrilhanta-se o ato com música pop. Um estudo feito pela Funeralcare, envolvendo 250 das cerca de 900 agências funerárias, concluiu que os temas mais tocados nos funerais, em 2012, foram: Someone Like You, de Adele; My Way, de Frank Sinatra; Angeles, de Robbie William; My Heart Will Go On, de Celine Dion; The Best, de Tina Turner e I Will Always Love You, de Whitney Houston. Revelou-se que a música pop veio substituir os hinos funerários em dois terços dos funerais britânicos, quase que fazendo esquecer o Requiem, de Wolfgang Amadeus Mozart.
Enquanto uns divertem-se e despertam os sentidos com música mais animada, em San Luís de Sabidilla, Espanha, os paroquianos entregaram um abaixo-assinado ao bispo da diocese de Málaga, a pedir o afastamento do padre por este não os deixar chorar durante os funerais. Nesta paróquia, pelos vistos, não se pode manifestar tristeza, embora o padre coloque músicas de Natal durante os funerais, o que sempre pode argumentar que o Natal é quando o homem quiser. Só que o que está na “berra”, pelos vistos, é a música pop.
Recentemente, o padre da freguesia de Freixiosa, no concelho de Mangualde recusou-se a fazer o funeral a um paroquiano, deficiente das forças armadas, alegando que ele devia € 375 de côngrua, o que fez com que este homem fosse enterrado “sem missa, sem padre, sem cruz e sem o toque dos sinos” e, acrescento, sem striptease e sem música pop nem de Natal.
Se quem está a ler esta crónica está incrédulo com estes relatos, vejamos o que sentirá ao ler este novo parágrafo, ao ficar a saber os resultados de dois interessantes estudos com as aves Western Scrub Jay – nomenclatura binomial Aphelocoma Californica –, os quais foram elaborados pelas Universidades de Cambridge, no Reino Unido, e da Califórnia, nos Estados Unidos da América. A primeira, chegou à conclusão que “esta espécie é capaz de planear o futuro”. A segunda, comprovou que estas aves realizam um “ritual parecido com um funeral”. Neste último caso, a equipa de investigadores da Universidade da Califórnia colocou alguns animais mortos, rodeados de falsos predadores, feitos em madeira, e as aves [a ser testadas] “ignoraram os falsos inimigos” e reagiram “interrompendo as suas atividades, como recolher alimentos ou piar”, mostrando-se sensíveis à morte dos da sua espécie, rodeando-os, mesmo perante os prováveis predadores.
Estranho mundo!… Enquanto uns não têm um enterro condigno, por não terem pago uma “dívida” de € 375, outros com € 300 podem (ou podiam) ter animadas sessões de striptease, com a sua imagem projetada numa tela, enquanto no palco se desnudam os artistas pagos para o efeito. Nas cerimónias fúnebres, consoante a localização geográfica e a cultura, ora é fomentada a alegria, impedido o próprio ato fúnebre, inviabilizada qualquer manifestação de pesar (…), quando em Portugal e no sertão brasileiro, até se pagava às carpideiras para rezar e chorar nos velórios.  
Benditas aves, que não precisam de se despenar – e seria uma pena, com penas tão bonitas! –, nem precisam de imposição de regras, nem de modas, nem de nada, nem de ninguém, para deixar transparecer os seus afetos pelos membros da sua espécie, quando falecem.

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