CLARA CORREIA |
“Não somos nada! …”, dizemos em jeito de
conclusão por ocasião da conclusão da vida alheia, “ …
desta vida nada se
leva!”, ou ainda “… ninguém sabe quando chega a sua hora!”. E, no entanto,
salvo em raras horas, ditas “de aperto”, nada parecemos saber do Nada a que a
nossa Vida fica reduzida se não a vivermos como o Tudo que é. Paradoxalmente,
exigimos-lhe, à Vida, tudo o que julgamos que nos afastará de “ser nada”, ou
“ninguém”, aos olhos dos outros, cujas vidas não desejamos suplantem em nada as
nossas próprias … pelo menos aos nossos olhos, que é como quem diz, mais uma
vez, aos olhos alheios, porque para os outros os outros somos nós, bem
entendido! E, assim, teorizando muito mais vezes do que praticando o conselho
da Vida vivida em sucessivos turnos de vinte e quatro horas, vulgo, “um dia de
cada vez”, vivemos, melhor dito, existimos, ao sabor da vivência antecipada do
dia seguinte; antecipamos não propriamente uma “festa” que, definitivamente,
sabemos que a Vida não é, mas antes os problemas que lhe destinamos, a esse
dia, e que, por conseguinte, serão, à força toda do sofrimento por antecipação,
os nossos problemas reais, a condizerem na perfeição com o que tão
contemporânea e simplesmente se passou a designar por transtorno de ansiedade,
este eventualmente seguindo para o transtorno psíquico seguinte, eventualmente
o do síndroma de “burnout”. Claro que
não somos todos assim mas, pasmemos com a nossa permanente insatisfação com
tudo, não parecemos gostar nada de estar ao lado de quem passa ao lado da
maleita que é, não só nossa como, pelo que consta, também do século: o “stress”.
Se não estiver na mesma onda hertziana do arquejar mental, é olhado de lado
quem pára ao lado de quem é, digamos, “stressado” ou está, digamos à antiga
portuguesa, enervado. Os “stressados”, ou enervados para os mais resistentes à
norma linguística, só estão bem, que é como quem diz, com o cortisol e outras
hormonas do “stress” alegremente aos pulos, com outros da mesma tribo … aliás,
uma das tribos urbanas mais “trendy” e, muito provavelmente, a mais urbana de
todas pelo elevado índice de “urbanidade”. Ah, e adoram carpir, não as mágoas
(enfim, só se forem as do foro amoroso pela óbvia falta de disponibilidade para
o romance), mas os achaques psicossomáticos próprios de quem, diária e
viciosamente, oleia a engrenagem viciosa da existência real, vida aparente … um
bocado como as senhoras do século passado que, literalmente espartilhadas pelos
ditames da moda à época, conviviam tanto mais distinta e elegantemente quanto
mais se queixassem das suas múltiplas doenças e desmaiassem com a
intransigência dos cordões do espartilho. Espartilhos muito mais perigosos
porque insidiosos, os actuais apertam de igual forma o corpo e, mais ainda, a
mente. Mente livre só a de quem, afinal, não “stressa” e não se apressa …
nomeadamente a saber o que os outros pensam de si; aliás, não quer saber … e só
não tem raiva de quem sabe porque sabe que deve poupar energias e “raiva” para
coisas construtivas e positivas.
“Não somos nada?”; sim, somos tudo para nós próprios, o que,
convenhamos, não é pouco. “…desta vida nada se leva?”; leva-se tudo o que nos
permitamos aprender com ela, a Vida. “…ninguém sabe quando chega a sua hora?”;
certamente que não! … por isso mesmo, há que promover a atitude de,
simplesmente, ignorarmos o que é “nada” e nos “borrifarmos” para tudo o que não
terá assim tanta importância, se estivermos no nosso próprio velório, por
ocasião, portanto, da conclusão da nossa própria vida.
( … de alguém que conheceu na 1ª
pessoa o síndroma de “burnout”, com repercussões na saúde ).
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