CLARA CORREIA |
“ Estamos em pleno século vinte e um! … ”, diz-se a propósito de tudo e de nada, com o propósito de exaltar a nossa própria contemporaneidade face à sua presumível falta no outro … ou ainda como que celebrando valores cujos progressos na respectiva conquista não foram menos do que seculares. E, no entanto, como ilude a aparência da crença na globalidade desses valores! … como mente em cada mente individual o universal cinismo a fingir que nos julgamos todos iguais, iguaizinhos, sem tirar nem pôr! E não, não estamos a falar do desrespeito absoluto pela Humanidade absolutamente assumido por boa parte da Humanidade do Médio Oriente. A Ocidente, a apregoada liberdade pela individualidade torna-se presa individual de demasiados indivíduos que, (des)confortáveis no seu frágil pedaço de sociedade, apontam outros que, no seu parecer, no parecer do “rebanho social” a que talvez temam deixar de pertencer, não satisfazem os cânones detidos pela suposta maioria. Grita-se aos quatro ventos a Tolerância pelas opções individuais que não lesem a Pátria nem ninguém, e o direito à Diferença, com a intolerância da hipocrisia e a indiferença pelos direitos alheios … não importa se o alvo é a menina, filha do casal mais mediático do “showbiz”, que, consta, insiste em aparecer publicamente vestida como um rapaz, ou se é o vizinho que passou a viver com o namorado, ou ainda se é a prima que, em consciência, optou por mandar às urtigas os planos de casamento para fazer voluntariado em África. Nem tão pouco importa se determinado canal televisivo faz uma reportagem acerca de “bullying” e depois, no âmbito da emissão em diferido de um “casting” de talentos musicais, apresenta um jovem candidato como “objecto” de intencionada zombaria nacional. E será importante a reacção adversa feminina, nomeadamente de bloggers/”opinion makers”, perante o corpo (francamente esbelto), em fato-de-banho, de uma jovem actriz, depreciando-a por, alegadamente, estar “gorda”? … quando deveriam ser, precisamente, as mulheres a estar na primeira linha de combate à rigidez dos estereótipos femininos e padrões respeitantes ao peso e idade?
Por entre a chuva, por vezes ainda moderada, de Intolerâncias com nomes como Racismo. Homofobia ou outros pretextos para discriminações, caem pingos de uma absurda “loucura da normalidade” que bem pode denunciar quem pode bem juntar-se à fila dos infelizes que sofrem de “Normose”, a designar o temor de “sair do baralho” e o horror a quem dele se “desbaralha”!
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