sexta-feira, 3 de abril de 2015

TANTO FAZIA QUE FILMASSE OU DEIXASSE DE FILMAR

GABRIEL VILAS BOAS
“A vingança é um sentimento mais forte que o amor. Infelizmente!”
 Manoel de Oliveira

Na última vez que Manoel de Oliveira celebrou o seu aniversário escrevi no “sete pecados imortais” que ele era o cineasta eterno. Trata-se obviamente duma hipérbole que pretendia chamar a atenção do leitor para a longevidade do mais antigo realizador de cinema do mundo.

E começou por aí a rendição do público português a Manoel de Oliveira. Como era possível que aquele velhinho ainda filmasse? Como era possível que continuasse a fazer aqueles filmes que poucos portugueses viam, aos noventa, aos cem anos de idade? Depois havia “aquela coisa” dos prémios em Veneza, dos entendidos em cinema, que, recorrentemente, achavam por bem premiar mestre Oliveira e a sua obra, que acompanhavam, ao contrário dos seus compatriotas.

E como sempre achamos que tudo o que era estrangeiro é que era bom, passamos a dizer que Oliveira era genial, um senhor, um homem da cultura e da arte, que Portugal estava muito honrado com a sua obra, blá, blá, blá… mas continuávamos sem ver os filmes que Manoel de Oliveira criava.
O cineasta portuense sabia perfeitamente que terreno pisava. Era um troféu que governantes, empresários, atrizes e atores gostavam de exibir em eventos sociais. Nesses momentos evitava falar profundamente sobre os seus filmes para não constranger ninguém. Como dizia uma atriz que trabalhou com ele desde nova, Oliveira era um gentleman, dotado duma educação fora do comum, um humanista.

Há dois meses, Manoel de Oliveira dizia a uma publicação francesa que no seu país (Portugal) era visto com indiferença, que tanto fazia aos portugueses que filmasse ou deixasse de filmar. Imagino a perplexidade da jornalista, mas Oliveira não se estendeu na mágoa, nem puxou dos galões, das homenagens de lata que muitos lhe puseram ao peito. Ele sempre nos percebeu tão bem!

Estamos no nosso direito de não gostar do cinema de Manoel de Oliveira, mas podíamos ter gasto algum do nosso ocioso tempo a tentar percebê-lo. Para isso é preciso ver a sua obra, sem a venda do preconceito estético. Gostemos ou não do estilo, há muito beleza nos filmes do autor de “Aniki-Bobó”. Obrigava-nos a reparar nas paisagens, nos rostos, nos silêncios que invadem pessoas, lugares, momentos. Achávamos que isso era um aborrecimento, porque, para nós, cinema era (é) movimento. Manoel de Oliveira contrapunha: “O movimento não existe. O que existe são as coisas a moverem-se no espaço. E isso ocupa tempo.” Talvez tivesse razão. Não acho que fizesse aquela gestão do tempo nos seus filmes porque vivia noutra era, mas porque era assim que entendia o cinema. 

Outro dado relevante no cinema do realizador de “Velho do Restelo” (2014) é que ele gostava de filmar a História de Portugal da perspetiva da derrota. Numa entrevista ao Expresso chegou a dizer: “A vida é uma derrota. A gente vive na derrota. Nasce contra vontade e não é senhor do seu destino.”
Podemos não concordar com ele e ter outra perspetiva da vida, mas para o refutar tínhamos de ter visto o que realizou. E, na verdade, não estivemos para isso. Se o tivéssemos feito, talvez percebêssemos que era um desafiador: “O que eu proponho é a dúvida. A dúvida é uma maneira de ser.”


Ele sabia que o cinema lhe dera uma visão da vida, mas que esta continuava o que sempre fora: um enigma. Para Manoel de Oliveira o mundo continuava complexo, incompreensível. Talvez por isso tenha filmado até morrer, porque o cinema era a sua maneira de o tentar compreender.

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