GABRIEL VILAS BOAS |
“A
vingança é um sentimento mais forte que o amor. Infelizmente!”
Manoel de Oliveira
Na última vez que Manoel de
Oliveira celebrou o seu aniversário escrevi no “sete pecados imortais” que ele
era o cineasta eterno. Trata-se obviamente duma hipérbole que pretendia chamar
a atenção do leitor para a longevidade do mais antigo realizador de cinema do
mundo.
E começou por aí a rendição
do público português a Manoel de Oliveira. Como era possível que aquele
velhinho ainda filmasse? Como era possível que continuasse a fazer aqueles
filmes que poucos portugueses viam, aos noventa, aos cem anos de idade? Depois
havia “aquela coisa” dos prémios em Veneza, dos entendidos em cinema, que,
recorrentemente, achavam por bem premiar mestre Oliveira e a sua obra, que
acompanhavam, ao contrário dos seus compatriotas.
E como sempre achamos que
tudo o que era estrangeiro é que era bom, passamos a dizer que Oliveira era
genial, um senhor, um homem da cultura e da arte, que Portugal estava muito
honrado com a sua obra, blá, blá, blá… mas continuávamos sem ver os filmes que
Manoel de Oliveira criava.
O cineasta portuense sabia
perfeitamente que terreno pisava. Era um troféu que governantes, empresários,
atrizes e atores gostavam de exibir em eventos sociais. Nesses momentos evitava
falar profundamente sobre os seus filmes para não constranger ninguém. Como
dizia uma atriz que trabalhou com ele desde nova, Oliveira era um gentleman,
dotado duma educação fora do comum, um humanista.
Há dois meses, Manoel de
Oliveira dizia a uma publicação francesa que no seu país (Portugal) era visto com
indiferença, que tanto fazia aos portugueses que filmasse ou deixasse de
filmar. Imagino a perplexidade da jornalista, mas Oliveira não se estendeu na
mágoa, nem puxou dos galões, das homenagens de lata que muitos lhe puseram ao
peito. Ele sempre nos percebeu tão bem!
Estamos no nosso direito de
não gostar do cinema de Manoel de Oliveira, mas podíamos ter gasto algum do
nosso ocioso tempo a tentar percebê-lo. Para isso é preciso ver a sua obra, sem
a venda do preconceito estético. Gostemos ou não do estilo, há muito beleza nos
filmes do autor de “Aniki-Bobó”. Obrigava-nos a reparar nas paisagens, nos
rostos, nos silêncios que invadem pessoas, lugares, momentos. Achávamos que
isso era um aborrecimento, porque, para nós, cinema era (é) movimento. Manoel
de Oliveira contrapunha: “O movimento não existe. O que existe são as coisas a
moverem-se no espaço. E isso ocupa tempo.” Talvez tivesse razão. Não acho que
fizesse aquela gestão do tempo nos seus filmes porque vivia noutra era, mas
porque era assim que entendia o cinema.
Outro dado relevante no
cinema do realizador de “Velho do Restelo” (2014) é que ele gostava de filmar a
História de Portugal da perspetiva da derrota. Numa entrevista ao Expresso
chegou a dizer: “A vida é uma derrota. A gente vive na derrota. Nasce contra
vontade e não é senhor do seu destino.”
Podemos não concordar com ele e ter outra
perspetiva da vida, mas para o refutar tínhamos de ter visto o que realizou. E,
na verdade, não estivemos para isso. Se o tivéssemos feito, talvez
percebêssemos que era um desafiador: “O que eu proponho é a dúvida. A dúvida é
uma maneira de ser.”
Ele sabia que o cinema lhe
dera uma visão da vida, mas que esta continuava o que sempre fora: um enigma.
Para Manoel de Oliveira o mundo continuava complexo, incompreensível. Talvez
por isso tenha filmado até morrer, porque o cinema era a sua maneira de o
tentar compreender.
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