PAULO SANTOS SILVA |
Ponto prévio – esta
crónica parte do princípio sagrado de qualquer estado de direito, a presunção
de inocência de qualquer cidadão, até prova em contrário. Não pretendo com ela,
nem acusar nem defender qualquer um dos intervenientes, uma vez que os factos
que poderiam concorrer para qualquer uma destas posições ainda se encontram por
provar. Pretendo, sim, refletir sobre alguns aspetos que considero importantes
e que foram suscitados, quer pela notícia, quer pela entrevista da professora Liliana
Costa à CMTV.
Comecemos, então, pelo
princípio. O professor vê a sua conduta profissional regida pelo Estatuto da
Carreira Docente. Este estatuto, na sua secção II – artigo 10º, define os
deveres gerais do professor.
Nas alíneas c) e d) do
artigo 10º - A, deveres para com os alunos, pode ler-se:
c)
Promover o desenvolvimento do rendimento escolar dos alunos e a qualidade das
aprendizagens, de acordo com os respetivos programas curriculares e atendendo à
diversidade dos seus conhecimentos e aptidões;
d)
Organizar e gerir o processo ensino-aprendizagem, adotando estratégias de
diferenciação pedagógica suscetíveis de responder às necessidades individuais
dos alunos;
Por outro lado, as
alíneas a) e b) do artigo 10º - C, deveres para com os pais e encarregados de
educação, lemos:
a)
Respeitar a autoridade legal dos pais ou encarregados de educação e estabelecer
com eles uma relação de diálogo e cooperação, no quadro da partilha da
responsabilidade pela educação e formação integral dos alunos;
b)
Promover a participação ativa dos pais ou encarregados de educação na educação
escolar dos alunos, no sentido de garantir a sua efetiva colaboração no
processo de aprendizagem;
Estamos, pois, perante
conceitos que pela sua amplitude se tornam difíceis de concretizar uma vez que
e a título de exemplo, estratégias de
diferenciação pedagógica suscetíveis de responder às necessidades individuais
dos alunos, é algo que permite muitas e variadas interpretações.
Atualmente, a avaliação
dos alunos do ensino básico tem como suporte legislativo o Despacho Normativo
nº 13/2014, de 15 de setembro. Este despacho normativo, regulamenta:
a)
A avaliação e certificação dos conhecimentos adquiridos e das capacidades
desenvolvidas pelos alunos do ensino básico, nos estabelecimentos de ensino
público, particular e cooperativo, bem como os seus efeitos;
b)
As medidas de promoção do sucesso
escolar que podem ser adotadas no acompanhamento e desenvolvimento dos alunos,
sem prejuízo de outras que o agrupamento de escolas ou escola não agrupada,
doravante designados por escola, defina no âmbito da sua autonomia.
No que respeita às
medidas de promoção do sucesso escolar que podem ser adotadas no acompanhamento
e desenvolvimento dos alunos, dizer que estas se encontram vertidas no artigo
20º da Secção VI e que se consubstanciam na elaboração de um Plano de Atividades
de Acompanhamento Pedagógico. Este plano, por norma, é elaborado pelo Conselho
Pedagógico e é constituído por duas partes distintas – uma primeira em que os
docentes das disciplinas intervenientes no mesmo identificam as dificuldades
demonstradas pelo aluno e uma segunda parte em que são definidas as medidas a
implementar e que se dividem pelos três grandes intervenientes no plano, as que
são da responsabilidade da escola e dos professores, as que são da
responsabilidade do aluno e as que são da responsabilidade do encarregado de
educação. Este plano que pode ser de turma ou individual, “é traçado, realizado e avaliado, sempre que necessário, em articulação
com outros técnicos de educação e em contacto regular com os encarregados de
educação”, ao mesmo tempo garante “aos
alunos que revelem em qualquer momento do seu percurso dificuldades de
aprendizagem em qualquer disciplina é aplicado um plano de acompanhamento
pedagógico, elaborado pelo professor titular de turma em articulação com os
restantes professores da turma, quando existam, no 1.º ciclo, ou pelo conselho
de turma, nos 2.º e 3.º ciclos, contendo estratégias de recuperação que
contribuam para colmatar as insuficiências detetadas”.
Aqui chegados, importa
refletir sobre alguns dos aspeto do caso em concreto.
Sendo eu um adepto
confesso da utilização das novas tecnologias da informação em contexto escolar,
posso compreender a utilização da comunicação via mail ou através de
plataformas como a Moodle, para troca de mensagens, envio de trabalhos,
resolução de fichas e tarefas online e/ou esclarecimento de dúvidas. Já me
custa, no entanto, a entender a disponibilização do número de telemóvel
pessoal. Tanto mais que, como afirma na entrevista, o fazia a “alguns alunos de
confiança”. Pergunta-se, com base em que critérios é que se define um aluno de
confiança? Não estaremos, potencialmente, perante um caso de descriminação de
alunos em favor de outros? Igualmente questionável, é o facto de os jantares de
turma que promovem o espírito de solidariedade e união, terem efeito direto na
melhoria das aprendizagens e dos resultados dos alunos. Nomeadamente quando
terminam com os docentes a levar os alunos a casa na sua viatura. Não esquecer
que estamos a falar de alunos de 14/15 anos e lembrar, também, que qualquer
atividade realizada fora da escola carece de uma tomada de conhecimento e
autorização prévias, por parte do encarregado de educação. Pergunta-se, também,
se todas estas estratégias que a professora enumera, foram presentes e
validadas pelos órgãos pedagógicos competentes, ou seja, grupo disciplinar,
departamento curricular, conselho pedagógico,… Outra questão que foi levantada
ao longo da entrevista, tem a ver com a disponibilização de tempo de almoço
para dar explicações. Quem é (ou foi) professor, sabe perfeitamente que é
bastante habitual esta situação acontecer, caso contrário muitas atividades que
se realizam nas escolas não teriam condições para acontecer. É um facto, e isso
também é referido na entrevista, que o fim de áreas curriculares não
disciplinares como o Estudo Acompanhado, não veio trazer benefícios aos alunos.
Bem pelo contrário. Uma das maiores dificuldades que os alunos têm e que era
resolvida nesta área, tem a ver com o “saber como estudar”, para as diferentes
disciplinas.
Claro que o paradigma
social e educacional mudou de uma forma radical nos últimos anos, nomeadamente
com a introdução das novas tecnologias. Esta mudança, veio tornar as pessoas
mais próximas, deixando-as à distância de um clique. Também a linha que separa
o que é público do que é privado se tornou mais ténue, sendo cada vez mais
difícil de definir onde é que se encontra. Torna-se por demais evidente, que o
fator motivacional dos alunos é um aliado precioso do professor que terá de ter
a sabedoria e competência necessárias para lidar com as expectativas dos
alunos, bem como com as suas alegrias, frustrações, emoções, etc.
Muitas outras questões
se levantaram ao longo da entrevista, sendo algumas na minha opinião, bastante
sensíveis. Uma vez que a prosa já vai longa, termino com mais um esclarecimento
e um voto. O esclarecimento é de que “a
suspensão preventiva é proposta pelo órgão de administração e gestão da escola
ou pelo instrutor do processo e decidida pelo director regional de educação ou
pelo Ministro da Educação, conforme o arguido seja docente ou membro do órgão
de administração e gestão do estabelecimento de educação ou de ensino”,
conforme consta do nº 7 do artigo 115º do Estatuto da Carreira Docente.
Desconheço se foi essa a fundamentação, mas posso até entendê-la como uma forma
de proteger os intervenientes no processo e acalmar o alarme social (penso que
será esta a tradução mais correta para o termo sururu, tantas vezes utilizado
na entrevista) que estas situações sempre provocam. O voto que pretendo
formular, é que se proceda da forma mais célere possível ao apuramento cabal
dos factos e, assim, possa ser concluído no mais curto espaço de tempo, o
processo disciplinar que terá sido instaurado. A bem da verdade.
PS – A escolha do
título da crónica decorre do rodapé que esteve presente no ecrã, ao longo de
grande parte da entrevista. Deixo aos meus leitores a avaliação da qualidade
jornalística da escolha do mesmo, por referência ao teor daquilo que foi dito
na entrevista e que poderá ver aqui.
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