«O poeta não precisa de um diploma para ser poeta, o pintor não precisa de graduação para pintar e muito menos o músico precisa de uma faculdade para fazer seu sucesso.» - in ConversaCult.com.br
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Todos têm direito a um momento de discordância ou desabafo de indignação por algo dito ou feito por alguém com quem não concordamos, de todo. Este é o meu convicto ponto de vista, e representa, somente, o meu ponto de vista sobre o assunto vertente que me fez maduramente pensar, durante alguns meses, se havia dele escrever, ou não, para não incomodar ou ferir susceptibilidades; venceu a minha teimosia "vertical".
Propositadamente, no texto, não há qualquer referência a nomes - nem de pessoas, seja qual for o género, nem de lugares.
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ALVARO GIESTA |
Há tempos fui convidado por pessoa amiga, poeta também, a ouvi-la em entrevista que cedeu a uma certa rádio local. O convite tinha uma finalidade: que eu, em determinada parte do programa, interviesse, como já o tinha feito noutra ocasião, aliás, quando a mesma pessoa, então entrevistada, já o fora, antes, numa outra rádio.
Logo no início da entrevista tolheu-se-me a vontade de intervir. Falando, a pessoa da rádio, dos dotes poéticos da pessoa em questão, que conheço bem assim como conheço a sua poesia, que muito aprecio, começou por referir, com palavras tais: «Temos hoje entre nós... (e referia-se ao nome da pessoa - poeta, em questão) com o livro (tal) publicado, formada pela Universidade de... com o Curso de... (e aqui, enfaticamente, referia o título académico em Letras para justificar a escrita poética), como convém nesta arte de escrever.» Ainda que, quase de imediato, essa pessoa que fazia a entrevista remendasse o «como convém para a arte de escrever» ao que (me) pareceu num acto de arrependimento pela gafe cometida, pois nem todas as pessoas poetas que por tal rádio passam tiveram a sorte (ou a necessidade) de se sentar nas carteiras de uma Faculdade de Letras para escrever poesia. Foi esse «como convém para a arte de escrever», angustiante de ouvir, que me fez perder a vontade de entrar em directo pois, se o fizesse, por certo argumentaria, e logo de entrada, que "o hábito não faz monge".
Porque isso é verdade! É grande o rol de famosos autores que nunca coçaram as calças nos bancos das escolas universitárias ou, tendo-as coçado, nunca as chegaram a puir trazendo por consolo um curso que não terminaram, e nem por isso deixaram de ser conhecidos no universo literário mundial: Fernando Pessoa, o exemplo clássico de um famoso escritor que desistiu do curso em Letras; Saramago, que nunca o frequentou e, por isso, não deixou de ser o monstro que é, na literatura portuguesa, a nível mundial; Ramos Rosa, que nem sei se alguma vez o sonhou frequentar...
Mas, há mais, muitos mais, a desmentir o «como convém» ter um curso superior em Letras (ou noutra coisa qualquer) para ser escritor ou poeta. Vejamos apenas mais três ou quatro "monstros" da escrita: Ernest Hermingway, Bukowski, Cortázar, Proust ou Henry Miller que jamais concluíram ou cursaram uma faculdade. Isto, para não me ficar, apenas, por alguns dos escritores portugueses sem o "canudo em Letras" «como convém» que, aos olhos dessa voz da rádio parecem ser, talvez, escritores menores (creio que pelo desconhecimento das suas obras).
E na continuação da saga dos escritores e poetas sem o tal curso em Letras: Machado de Assis, duplamente considerado como o maior nome da literatura nacional brasileira, «de uma família pobre que mal estudou em escolas públicas e nunca frequentou a universidade; dizem dele, os biógrafos, que interessado pela boémia e pela corte, lutou para subir socialmente abastecendo-se de superioridade intelectual». Um mestre que escreveu em quase todos os géneros literários sem necessidade do tal «curso em Letras como convém»: poeta, romancista, cronista, dramaturgo, contista, escritor de folhetins e argumentos, jornalista, crítico literário. E José Saramago, o nosso Nobel da Literatura... que curso, em Letras, imaginaria esta nossa voz da rádio para autores célebres, como estes, sem oportunidade ou necessidade de possuir educação formal, que fosse, para serem escritores? E o autor da obra-prima da ficção norte americana "As Aventuras de Huckleberry Finn", o famoso escritor conhecido pelo pseudónimo Mark Twain, que curso superior em Letras tinha - o tal curso «como convém» para se ser escritor ou poeta? Nenhum possuía!
E outros grandes escritores e poetas formados em cursos universitários, que não em Letras, necessariamente: porque constam dos anais da Literatura? Franz Kafka, Henry Fielding, Ángel Crespo, Mário de Carvalho... isto, para referir apenas alguns dos que habitam e ombreiam com outros que têm o tal curso em Letras «como convém», nas prateleiras da minha modesta biblioteca e com os quais aprendo, lendo-os e relendo-os muitas vezes colhendo, deles, profícuos ensinamentos: Jorge Luís Borges, James Wood, Sousa Dias, Gil Jouanard, Eduardo Pita, Fernando Guimarães...
A ausência do tal curso em Letras ou a falta dessa tal educação formal que qualquer curso oferece e nele se aprende tudo, menos ser escritor ou poeta, impediu-os de incluírem os seus nomes nas galerias da História Literária? Obviamente que não! Obviamente que entraram nos anais da literatura pelo esforço próprio que fizeram para se aperfeiçoarem, para aperfeiçoarem o dom natural da escrita que lhes era inato. Chego a pensar, atrevo-me a pensar, até, que uma formação universitária fora das letras, ou uma formação universitária da vida, pode contribuir muito mais - com experiência o digo - para que um escritor se forme num bom escritor desde que não despreze as muitas leituras que deve fazer dos bons escritores e não se esqueça de possuir um bom acervo literário para nele se debruçar e aprender. Para com eles estudar e aprender, evidentemente, e não, apenas, para enfeitar as prateleiras. Parte fundamental... tão fundamental, ou mais, como possuir o tal curso em Letras «como convém».
Porque, estruturalmente, um curso em Letras não serve para formar um escritor, muito menos um poeta. Serve, sim, para quem deseja ser um professor de Português ou de Literatura, um Jornalista, talvez até um crítico literário. Porque a formação universitária, em Letras, é restrita pela própria natureza estrutural do curso: os alunos são mais levados à especialização do que à liberdade criativa. Trabalha-se com os cânones literários, seja, com os livros e autores consagrados pelo tempo literário, em desprezo, quase total, pela compreensão do hoje e do acto de criar. Nada mais frustrante para um escritor literário do que a obrigatoriedade de seguir parâmetros que não dão margem à liberdade estilística e criativa. É como escrever por encomenda.
Obviamente que um curso em Letras, por si só, não dá a garantia de ser um bom escritor, muito menos um bom poeta, embora "poetas" haja muitos com Letras e sem letras. Quando muito ajuda a escrever bem e correctamente, mas dificilmente ensinará a criar. Obviamente que indispensável se torna pôr o conhecimento à prova e submetê-lo ao crivo de outros escritores e poetas, de críticos e até de leitores. De leitores, por que não?! De todos os bons leitores, evidentemente, e não apenas daqueles leitores para quem o escritor escreve prioritariamente. Insuficiente é, também, pôr o conhecimento à prova daqueles que julgam a partir do "canudo" do curso em Letras, que se tem ou deixa de se ter. Pior que isso, é julgarmo-nos mestres e envaidecermo-nos do nome, só porque nos chamam mestres!
A troca de experiências não circunscritas somente às elites, restringidas apenas aos elementos integrantes de círculos fechados que eu designo por tribos ou clãs, são prejudiciais ao conhecimento a adquirir na arte da escrita - prejudiciais àqueles que circunscrevem e limitam e tão mais àqueles que desses círculos são arredados. As discussões sobre criatividade, abertas a todos os que escrevem, por necessidade da alma e não do bolso ou do aplauso, as avaliações críticas feitas por críticos empenhados e descomprometidos e jamais interessados em comprometer-se com quem lhes dá mais, são as melhores cadeiras universitárias para formar um aprendiz de escritor ou de poeta que se vai formando, até se tornar escritor ou poeta, enquanto o jorro produtivo se vai manifestando na esperança de se conhecer.
Enquanto essa força de produzir não cessar, dando-se por acabada pela perfeição atingida - aqui sim, talvez o Mestre se manifeste! -, o aprendiz de escritor ou de poeta, mesmo sem a tal formação em Letras, vai explorando a palavra e com a força da mesma, descobrindo-se e dando-se a conhecer, no silêncio da voz que cria, erguendo a obra literária no seu tempo de ser aprendiz.