terça-feira, 15 de setembro de 2015

O ÚLTIMO MENSAGEIRO

REGINA SARDOEIRA
Havia montanhas por detrás da imaginação cansada, atirada de uma para outra janela, e só os cortinados espessos tiveram poder para suster os golpes do vento, nesse dia túrgidos de folhas verdes, porque há muito a primavera ditava as suas regras de plena floração e só o rigor impreciso das nuvens violeta, por cima do telhado, fazia temer o recuo improvável do tempo.

Era a hora, e ele bem o sabia, a hora de sair e levar as cartas para os marcos distantes, onde a surpresa poderia abrir-se em sorrisos ou em lágrimas, mas sempre numa contradição de espanto e aventura.

Cartas, apenas cartas – essa raridade – cartas de papel, no tempo em que ninguém usa caneta e os envelopes amarelecem na escuridão das gavetas fechadas.

Mas ele queria partir bem cedo, antes do anoitecer, não fosse o vento bravio a repuxar fiapos de maresia, essa corrente dispersa, olvidada na distância, e contudo suspensa no intervalo de alguns passos, perdida no côncavo encrespado da montanha: porque ali era sempre montanha e praia e também prado verdejante, ponteado de rubras corolas, talvez papoilas ou rosas silvestres, cujos espinhos se adoçaram no esplendor magnífico da relva.

Era preciso arrancar-se dali, enfrentar as bátegas violentas de um súbito aguaceiro, mas ele bem via a nesga azul profundo que se abrira em torno de uma nuvem e lhe anunciava o advento de mais do que uma estrela.

A porta tinha rijos batentes; e com um tinir de ferros, como se soltasse as grilhetas de uma prisão, abriu-a e deixou que o ar lavado lhe inundasse a face afogueada, enquanto protegia com unção paternal o saco de coiro, guardião das surpresas e dos segredos dos outros.

Arrancou-se do limiar, subiu a gola da capa, e bem depressa os seus passos ritmados deram corpo ao destino.

Mensageiro, eis o que ele sempre fora, mensageiro dos homens para outros homens, mensageiro de certezas, de sonhos, de esperanças e de dúvidas.

Nunca soubemos se ele chegou ao destino, apenas podemos crer que para lá do caminho fechado, uma clareira lhe mostrou o rumo certo e a corporeidade das mensagens urdidas em papel, na estranheza de um tempo em que todos haviam esquecido a possibilidade de usar mensageiros lentos, enfrentando tempestades e marés certas, mãos sedentas do perfume exótico da viagem soltaram sorrisos ou lágrimas, perante a surpresa do vulto enigmático do último mensageiro.

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