GABRIEL VILAS BOAS |
Por muito bem-intencionada que seja uma lei, por muito bons que sejam os procedimentos nela postulados, quando se tem a intenção de não a cumprir, ela acaba por ter um efeito prático reduzido, servindo apenas para salvar a face dos agentes políticos, perante a opinião pública. É o caso da eterna questão dos manuais escolares, que ano após ano aumentam de preço (apesar do rendimento per capita das famílias ter diminuído) e raramente cumprem o ciclo de vida prescrito na lei.
Depois de muita pressão da opinião pública, das associações de pais e dos media, os últimos governos lá decidiram alargar o período de duração de um manual escolar para seis anos. Apesar de grande parte dos alunos do sistema público de ensino ser financiado pelos Serviços de Ação Social Escolar, os sucessivos governos nunca se preocuparam muito com a conta que tinham que pagar às editoras nem lhes conseguiam impor congelamento de preços quanto mais uma redução.
Quando a opinião pública descobriu que centenas de milhares de livros pagos pelos contribuintes não eram devolvidos às escolas para serem reutilizados, todos os envolvidos ganharam alguma vergonha e convencionou-se que os alunos apoiados pelo SASE deviam entregar os manuais, em bom estado, para serem reutilizados por outros alunos. Só que esta lei geral continha aquela alínea tão portuguesa que sossega os interesses privados e desprotege os públicos: só no final de cada ciclo os alunos eram obrigados a entregar os manuais emprestados, ou seja, só no final do 9.ºano, por exemplo, os alunos do escalão A e B eram obrigados a entregar os livros subsidiados pelo Estado durante o 7,º 8.º e 9.º anos. Obviamente muitos desses alunos já não sabiam dos seus manuais e não os entregavam.
Nos últimos anos e na sequência da crise económica de que o país ainda não saiu, o Estado tem procurado passar a mensagem que os manuais têm uma vigência de seis anos, mas de facto isso não aconteceu por culpa do Ministério da Educação. Primeiro obrigou a escola portuguesa (e todos os organismos públicos) a adotar o Acordo Ortográfico, sabendo que isso implicaria nova edição de todos os manuais escolares, pois não se pode ensinar uma criança a escrever Egito sem p, quando o manual ainda o grafava de maneira diferente. As editoras choraram lágrimas de crocodilo sobre a estopada que foi reimprimir à pressa novos manuais cumpridores do Acordo Ortográfico, mas, no final, mandaram a continha e o MEC pagou e os pais também.
Volvidos mais uns meses, o mesmo MEC que não tem dinheiro para pagar professores do ensino público mas tem muitos milhões para os colégios privados, decidiu introduzir metas curriculares em todas as disciplinas do ensino básico e secundário, traçando a régua e esquadro os textos, os conteúdos que deviam ser ensinado em cada ano de escolaridade. Obviamente nenhum manual conseguia cumprir integralmente todos os caprichos do Ministério da Educação e por isso lá teve de se iniciar nova corrida aos manuais escolares. Em seis anos devíamos ter mudado uma só vez de livros escolares, mas mudámos três. O dinheiro gasto em seis anos pelo Estado dava para dezoito anos, mas assim o lucrativo negócio não podia continuar.
Claro que o governo se preveniu com uma bonita lei, para que nada lhe possa ser apontado, mas, na prática sabia perfeitamente que não a cumpriria.
No meio de todo este esquema, as famílias com um baixo rendimento e dois filhos no ensino obrigatório, gastam 400 a 500 euros, apenas em livros escolares, durante o mês de setembro. Lamentam-se, criticam, mas pagam e depois as aulas começam e a educação dos filhos é coisa que não se discute nem se regateia.
Eles sabem perfeitamente disto, sempre souberam, mas fingem-se desentendidos. Afinal ainda poucos são aqueles que se preocupam com o bom uso do dinheiro público.
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