|
Clara Correia |
Dezembro. Primeiro round: fartazana de festas natalícias que, mesmo para quem as não teve à farta, não se fartaram de ser incluídas em desejos mais ou menos sinceros e em conversas mais ou menos de circunstância. Segundo round: “countdown” mundial para a passagem de testemunho da tocha olímpica dos complexos jogos diários das Olimpíadas das relações humanas. O fim de ano, na realidade, deveria ser apenas referido como “passagem de ano” ou, se se quiser lançar mais uma moda do linguajar, por “transição de ano”, isto se não quisermos ser cínicos ao ponto de fingirmos acarinhar o débil ancião que o simboliza só porque sabemos certa a sua morte e certo o seu sucessor, personificado numa viçosa e rosada criança que passamos a receber com tal e tradicional euforia infantil que até parece que o alegre infante encarna o “pack 2 em 1” da promessa de novas oportunidades mais os respectivos benefícios em piloto automático. Assim, está visto que, quase sempre interesseiros, nos referimos à passagem de ano por “fim de ano” só para “dar graxa” ao ano velho, não vá ele arrepender-se e, em vez de se finar, ficar … ficar alapado à nossa consciência, como o grilo falante se alapava à do Pinóquio; o problema é que, como o boneco de pau, queremos distância dos grilos-falantes-às-consciências e dos anos moribundos, como se estes levassem consigo para o túmulo do Tempo o critério de selecção e divulgação anual dos nossos segredos e os fracassos dos últimos trezentos e sessenta e quatro dias da nossa vida. E, se calhar, boa parte das vezes, é por isso que, secretamente, talvez festejemos no nosso íntimo tanto a ida do ano velho como a vinda do novo ano … como se o Tempo, além de paciente (“ … é uma questão de tempo”) e curativo (“ … o tempo cura tudo”), sendo passado, também tivesse de ser absolvidor dos nossos pecados e pecadilhos para ir em paz, pelo menos na nossa consciência da qual, boa parte das vezes, só queremos saber quando nos convém. Assim com´assim, com ou sem superstição, engolem-se com risco de asfixia, as doze passas ao compasso das doze badaladas que, à dúzia, não chegam para apadrinhar todas as decisões de mudança … decisões que, mesmo produzidas em sintonia obrigatória com a deglutição das passas, o emborcar do espumante e a pressão das badaladas, são mais fáceis de expelir do que as passas de ingerir. E assim, a modos que de mente aparentemente purificada pelo ano novo, puro no seu estado ainda virgem de impuras acções humanas, cada um de nós sente-se uma autêntica “fénix” renascida das cinzas dos seus velhos problemas, muitas vezes nascidos de “fogos” ateados por nós próprios. De modo que, assim em modo de “ilusão-de-que-os-primeiros-segundos-de-Janeiro-são-o-início-do-fim-de-tudo-o-que-desagrada”, trocam-se beijos e abraços com amigos, conhecidos e até desconhecidos … aparvalhemo-nos! Glória à humanidade nas alturas da sua nobreza espiritual que, muitas vezes, só nestes breves minutos anuais, atenta nos desconhecidos e mesmo nos demais! Depois de um 2014 de baldes de água fria, em sentido literal e figurado, e banhos gelados mais ou menos voluntários, instaure-se a campanha das treze badaladas na transição de ano, não importa qual ano … pode ser já para o ano, isto é, no fim deste; pode ser que à não convencional décima terceira badalada, soem badalos de lucidez a acordar as nossas consciências para a influência que, realmente, temos na vida que queremos … para nós, para os outros, para a vida da nossa terra e para a vida na Terra de todos. Excelente 2015!
Ironicamente perfeito!
ResponderEliminarIronicamente perfeito!
ResponderEliminar