sábado, 17 de janeiro de 2015

OS DEGRAUS DA FELICIDADE

JORGE NUNO
No segundo dia do ano, bastante cedo, apanho o autocarro – como opção de transporte –, apesar de me desagradar as quase três horas e meia de viagem para percorrer 210 kms. Reparo que em cerca de quinze minutos terei olhado para o relógio umas dez vezes. Mostro-me agastado pelo facto de não haver aquela valência na cidade e ter que me deslocar ao Porto. Porque me estava a sentir menos bem, decido esquecer os aspetos desagradáveis e a fixação no destino e gozar o resto da viagem, apreciando a paisagem, que tanto pode ter de agreste como de bela. Tudo dependerá de como os nossos olhos e a nossa mente a querem ver. Como que por encanto, tudo se torna mais esbatido e suave, depois da segunda paragem, quando entra um passageiro e se senta junto de mim. Este, de imediato, mostrou ser uma pessoa positiva, alegre e boa conversadora e a conversa e o tempo fluíram agradavelmente.

Chegado ao destino, compro um jornal e dirijo-me à conhecida clínica portuense. À entrada da receção, faço o check-in automático, numa máquina, e desloco-me ao balcão, onde transbordava simpatia. Ofereceram-me uma revista e chamaram uma auxiliar para me acompanhar à sala de espera. Já sentado, vejo tratar-se de uma revista que é propriedade do próprio grupo, na área da saúde – embora editada no verão passado –. Apesar de ter um jornal para ler, folheio-a com alguma curiosidade. Logo me deparo com um artigo sobre a “Felicidade” e que me parece muito interessante, já que mostra o perfil de um português feliz, numa altura em que me parece que anda tudo com cara de enterro. Ao folheá-lo, destaco coisas como: “As pessoas felizes são 12% mais produtivas” [dados do Departamento de Economia da Universidade de Warwick (Reino Unido); “(…) a existência de hábitos saudáveis antes dos 50 anos traduz-se no aumento de uma saudável e feliz longevidade. Não ter vícios e fazer exercício é importante mas, a forma como contruímos as relações sociais, é determinante para se viver mais tempo” [“Harvard Study of Adult Development”, estudo efetuado nos últimos 72 anos por investigadores da Universidade de Harvard]; George Vaillant, diretor do anterior estudo nos últimos 40 anos, acredita que “um envelhecimento bem-sucedido não está mais dependente das estrelas ou dos nossos genes do que da nossa vontade”; “O humor é uma forma de lidarmos com os conflitos” [Scott Weems, neurocientista cognitivo americano]; “O humor é um ingrediente fundamental para a felicidade. (…) Tenho uma predisposição para ver o sentido cómico das coisas. Alivia a tragédia e coloca a vida noutra perspetiva. [Francisco Gomes, copy e contador de histórias]; “O ser humano tem a capacidade de alterar a forma como vê o mundo, de maneira a sentir-se melhor com a situação em que se encontra” [estudo apresentado pelo departamento de Psicologia de Harvard].

Faço uma pausa para refletir. – Espera lá… mas foi isso que eu fiz, quando vinha no autocarro. Senti que tinha que infletir a tendência de má-disposição, de neura…, e ainda por cima no início do novo ano. A verdade é que consegui e passei a sentir-me melhor. Aquela relação ocasional, de pouco mais duas horas, com uma pessoa bem-disposta, ajudou muito. 

Retomo a leitura e vejo alguns dados apresentados, que decorriam de um estudo intitulado “A Avaliação Subjetiva da Felicidade dos Portugueses" - estudo de 2010, realizado por dois membros da Comissão Científica da Associação Portuguesa de Estudos e Intervenções em Psicologia Positiva, com entrevistas feitas a 1033 portugueses de ambos os sexos, a residir em Portugal Continental, com idades entre 16 e 55 anos. Neste estudo estiveram também envolvidos a Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Espanha. Pode ler-se: “Mostram-nos os estudos que os que constroem diariamente a felicidade tendem a ser altruístas e não egoístas, atentos ao bem-comum, cooperativos, pacifistas, confiantes nos outros, mais tolerantes e democráticos e companhias agradáveis”. A minha primeira reação é – Está mal! Deviam ter introduzido mais dois escalões etários: dos 55 aos 65 anos e mais de 65 anos, porque seria interessante auscultar este grupo populacional, até mesmo esquecido para efeitos de estudo –. Sinto alguma irritação e, de imediato, foco-me nos aspetos positivos do estudo, até ser chamado, e dirijo-me ao gabinete médico, onde fui atendido com eficácia e cortesia.

No regresso, já de noite, sem companhia ao lado e sem poder apreciar a paisagem, revi mentalmente o artigo sobre a “Felicidade” e dos degraus que têm que se subir para a alcançar, ou melhor, construir. – Se calhar até nem é preciso muito esforço, para ir subindo uns degraus – penso. Vêm à mente os interesses das multinacionais e do neoliberalismo de garras afiadas, entranhados nos atos de governação e de gestão – como forma de pressão –, em campanhas bem oleadas de Marketing, que fazem crer que a felicidade advém do “ter”, bem ao jeito de quem se deixa enrolar facilmente pela ilusão e pela ambição descontrolada, mesmo com cortes nos salários e pensões. Em vez do PIB, porque não se adota, no ocidente, o conceito de FIB - “Felicidade Interna Bruta”, criada pelo rei do Butão, baseada no princípio de que “o verdadeiro desenvolvimento de uma sociedade humana surge quando o desenvolvimento espiritual e o desenvolvimento material são simultâneos, assim se complementando e reforçando mutuamente”?

Com pouca luz e trepidação do autocarro, abro finalmente o jornal e, enquanto vou virando páginas, deparo-me com notícias como: “Passagem de Ano na Madeira – 1, 046 milhões de euros em fogo de artifício, gasto em 8 minutos”; “Acidentes nas estradas portuguesas provocam 480 mortos em 2014”; Evaporou-se o BES e metade da PT. Bolsa portuguesa perdeu 27%”; “Segurança Social publica lista de funcionários que serão colocados na requalificação”; “Falta de pagamento do Estado deixa alunos da educação especial sem aulas e pais desesperados”. Era inevitável: fico fulo, ainda mais por me sentir impotente perante estes factos, o que me faz descer novamente os degraus da felicidade, num dia que estava, claramente, a subi-los! 

Para corrigir este estado anímico, lembro-me da oração de São Francisco de Assis: “Senhor, dai-me força para mudar o que pode ser mudado, resignação para aceitar o que não pode ser mudado e sabedoria para distinguir uma coisa da outra.” Logo de seguida, lembro-me do outro Francisco, o Papa – que conhece seguramente esta oração –, que parece tudo querer fazer para mudar o que está mal, começando pelo Vaticano, e consegue manter um desconcertante sentido de humor, confiança no caminho da mudança e um otimismo galvanizador, que pode ajudar a chegar a essa mudança. Por uma rápida sucessão de ideias, chego ao falecido psiquiatra norte-americano – Milton Erickson –, que era muito espirituoso e usava contos e anedotas para provocar mudanças substanciais nos seus pacientes. Enquanto o autocarro rola a boa marcha na A4, reflito: “Se calhar é por isso que há tanta anedota no Governo, no Banco de Portugal, na Comissão Europeia, no Banco Central Europeu e no Fundo Monetário Internacional!”. E não é que em vez de continuar zangado… sorri, subindo mais um degrau!? 

2 comentários:

  1. Adorei acompanhar-te ao Porto (a viagem toda, claro!). A felicidade passa por não desperdiçarmos os bons momentos que a vida nos oferece; pôr o pé na escada e subir devagarinho.

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  2. Obrigado, amiga Teresa Almeida. Que tenhas muitos, e cada vez mais, momentos de felicidade.

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