CLARA CORREIA |
Mal dado o encerramento da época de “Boas Festas” de tradição cristã, a seis de Janeiro, tem lugar no dia seguinte uma outra “celebração”, alegadamente pelos seus celebrantes de índole igualmente religiosa … uma vingança, assim designada pelos três protagonistas cujo religioso desígnio designara o extermínio de uma dúzia de vidas humanas enquanto produtoras e promotoras da criatividade ao serviço do Humor mais ou menos cáustico, mais ou menos inocente, mais ou menos sarcástico, mais ou menos insipiente ou contundente … aos algozes do Humor não importava o seu pendor, mas apenas o seu clamor enquanto meio de catarse das nossas insalubridades emocionais, irracionais, comportamentais, humanas, em suma. É claro que o uso individual da liberdade, bem entendido, supõe o respeito pelos limites, os mesmos que determinam e disciplinam o direito à mesma por parte de todos; e, bem assim, o exercício da liberdade implica também o da rejeição parcial da liberdade alheia sempre que esteja em causa a colisão de opiniões, argumentos, fações. Entre a dramática frequência da discórdia humana e a trágica sucessão de consequências daí resultantes, a diferença existente é a mesma que paira entre um Drama e uma Tragédia … é a mesma que separa uma acção de protesto minimamente civilizada de uma acção de protesto que ignora por completo a civilidade e a noção de civilização, e é a mesma que, eventualmente com extrema discrição, divide a aceitação total ou parcial da liberdade do outro (e que salvaguarda sempre a sua vida) e a negação e rejeição absoluta dessa liberdade do outro e, portanto, da sua vida … quase sempre a culminar na sua eliminação física. Quaisquer reticências acerca disto serão as mesmas acerca da ilegitimidade de um apedrejamento público de uma mulher alegadamente adúltera e, em suma., acerca dos princípios civilizacionais. “JE SUIS pela vida humana” seria, por isto, mais apropriado e, sem dúvida, mais honesto de ostentar em muitos casos! A sete de Janeiro de 2015, o que esteve sobretudo em causa na redacção do jornal satírico “Charlie Hebdot” não foi um ataque ao Humor, à Imprensa satírica e à Liberdade de Expressão, foi tão só o desrespeito absoluto pelas doze vidas, em particular, e pela Vida, em geral. Nada mais! Este foi o facto que produziu o motivo noticioso mundial. Não foi a ausência inumana da capacidade humorística, não foi a aversão à Sátira nem um inesperado surto psicótico propenso à tragédia … nem tão pouco terá sido assim tão relevante na sua importância a intenção de asfixia da liberdade de expressão. Haja mais conjunturas favoráveis à tentativa de extermínio da Liberdade do outro, senso lato, em Paris ou noutra cidade, e haverá tantos actos bárbaros de extermínio da Vida quantos os que o fanatismo ditar a quem a desvaloriza alegadamente em nome de um Deus, dito Alá, e de uma religião-alibi que, como todas as religiões, nada tem a ver com a violência e certamente tolerará a Sátira e condenará a Tragédia.
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