sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

PROFISSÕES DE RISCO

Gabriel Vilas Boas
Nos tempos que correm, cada vez menos somos nós a escolher a profissão a seguir, normalmente é ela que nos escolhe ou as circunstâncias fazem cruzar os nossos caminhos. Serve isto para dizer que há profissões que nenhum pai gostaria de recomendar ao seu filho, pois o perigo faz parte do seu ADN. Pensei nisto ao recordar a morte dos polícias no ataque ao Charlie Hebdo e no naufrágio dos pescadores de Caxinas, ao largo da praia das Maçãs, em Sintra. 

É recorrente queixarmo-nos das difíceis condições dos nossos empregos, mas esquecemos que há profissões que fizeram um contrato de alto risco com a morte e muitas vezes há acidentes de trabalho. 

O caso dos pescadores é paradigmático. É uma profissão mal paga, agreste, física e psicologicamente desgastante, altamente perigosa e brutalmente desconsiderada. Para muitas comunidades piscatórias, o mar há muito deixou de ser uma sedução irresistível e tornou-se, desgraçadamente, num destino negro. 

Os miseráveis salários pagos aos pescadores empurram os seus filhos para um futuro longe da escola e perto do mar, onde ano após ano a história se repete: naufrágio, perda, morte, luto… recomeço. Ficam as cicatrizes na alma e no coração da gente que aprendeu a viver com a dor desde tenra idade.

Se formos até Caxinas, veremos que quase não há casa onde não exista um livro de condolências, mas nos sonhos daquelas gentes há o desejo que os filhos escrevam uma história em terra firme. 

Sophia de Mello Breyner, no conto “A Saga” conta que Sören nunca perdoou ao filho ter-se tornado marinheiro, porque esse sedutor enganador lhe tinha roubado dois irmãos. Há três dias, o mar cravou mais um punhal no coração dos caxineiros. Entre eles e o mar há muito que só existe mágoa, dor e ressentimento. 

E nós? Nós olhamos com triste indiferença para o rodapé dos telejornais e declaramos, pesarosos, para a nossa irritante consciência: “Que queres? É a vida…”. Pois… uma vida que decepa vidas todos os anos, a quem hoje decretam proibições de captura de sardinha e amanhã de carapau e te dizem com arrogância tecnocrata “vai apanhar dourada para o meio das maçãs”. E eles vão e não voltam mais. 

Pescam a matéria-prima com que os restaurantes chiques fazem essas refeições gourmet que nos custam meio salário daquela gente. Mas isso nunca nos importou nada, pois nunca exigimos aos impostures dos beijinhos de quatro em quatro anos que nos tratem como gente que somos, que acabem com esta lógica mercantilista da globalização que nos empurra para profissões miseravelmente pagas como se de uma doença genética se tratasse.

Os pescadores, como os polícias, precisam também de ser remunerados de acordo com o risco que correm. 

Gosto muito de comer bom peixe! Se for preparado por um qualquer chef, ainda melhor, mas saber-me-ia ainda melhor se soubesse que tinha sido pescado por um qualquer chef pescador, que tinha escolhido ser marinheiro porque o mar o seduzia irresistivelmente, apesar de ter tão boas ou melhores opções em terra. Quando é que sai uma diretiva comunitária que proíba a captura obscena do trabalho e do risco alheios?

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