quinta-feira, 20 de agosto de 2015

TRIBUTO AO POETA AMARANTINO A. MAGALHÃES

A. MAGALHÃES

HÉLDER BARROS 
Uma palavra para um homem de palavra e das palavras…

Conheci o Sr. A. Magalhães no início dos anos oitenta, apresentado pelo meu falecido Pai, num Café de Amarante. O meu Pai adorava falar com os seus amigos e conhecidos, enquanto tomava o seu cafezinho e, quando na presença de um bom parceiro de conversa, esta fluía como a água de um rio que corre livremente para a sua foz. Os temas sucediam-se em catadupa e, eu, enquanto jovem adolescente, ficava fascinado com a minha ignorância sobre tudo o que ouvia e, concomitantemente, com a sapiência de alguns destes amigos do meu Pai. O Sr. A. Magalhães tinha um manancial de temas, em que dissertava sempre com uma profundidade e seriedade intelectual que, me marcaram de forma indelével.

Confesso que a primeira impressão que tive deste Senhor, não foi muito simpática. Homem austero, algo sisudo, aparentemente pouco simpático, pela pose séria, compenetrada e de introspeção, que sempre apresentava. Contudo, com o desenrolar dos encontros, a minha impressão inicial foi totalmente alterada. Trata-se de um homem simples, de trato fácil e delicado, dedicado à sua causa maior: a escrita. Durante os seus provectos 91 anos de existência, grande parte dos seus tempos de lazer, foram dedicados a essa sua nobre paixão literária. 

Lançou recentemente um livro de Poesia, cujo título “Nasci à beira de um rio”, diz muito de quanto pode o Homem ser marcado pela sua geografia nativa e pela sua ecologia existencial. Recentemente, numa conversa que mantive com ele, o que é sempre um enorme prazer, falávamos no processo de criação literário, designadamente, na Crónica, à qual dedicou grande parte do seu labor e inspiração literária. Trata-se, segundo o Sr. A. Magalhães, de um exercício de construção/desconstrução, criação/amputação, que exige muito do autor.

E, para um homem que acordava todos os dias pelas sete horas da manhã, que apanhava diariamente a automotora na linha do Tâmega em Vilarinho, Vila Caiz - que lhe faz hoje em dia muita falta para se deslocar a Amarante -, e, que retornava a casa cerca das sete horas da tarde, facilmente se infere que o seu processo criativo exigiu sempre uma inspiração, com muita transpiração, pelas noites e fins de semana, ao longo deste já longo trajeto de vida. Anos e anos de uma dedicação extrema à Arte da Escrita, quase sempre em forma de Crónica, em muitos jornais e publicações, dos quais destaco: “A Flor do Tâmega”.

Quando o questionei no decorrer de uma das conversas que mantivemos, sobre o facto de a sua inspiração nunca lhe fenecer, foi muito interessante a sua abordagem a essa questão. Estávamos na sua casa em Passinhos, Vila Caiz e o Sr. A. Magalhães referiu-me o seguinte: Quando se gosta de escrever, no processo criativo qualquer coisa por mais simples e improvável que possa parecer, pode dar origem a infindáveis processos de construção de ideias à volta dessa “coisa” que, quase sempre, se usam como base de partida para viagens criativas alucinantes e cujo transporte é o fervilhar de ideias que emerge na mente inquieta do autor e que passam para o papel, muitas vezes, num ritmo frenético, acelerado e imparável.

Outro aspeto muito interessante que pude constatar no seu trajeto de vida tem a ver com a sua coerência, no seu posicionamento sociopolítico. Nas suas crónicas surge muitas vezes a necessidade de expressar o seu posicionamento político marcadamente de esquerda. Mas, desiluda-se quem pense que é mais uma pessoa de esquerda, a escrever sobre os problemas do quotidiano social, lançando “soundbites” mais ou menos gastos. O Sr. A. Magalhães procura sempre uma lógica no seu pensamento que tenha apego à realidade que o rodeia, à sua ecologia de vida… há para aí muita gente que só é de esquerda, até estar em posição de superioridade. Depois é tudo uma autocracia do género: “quem não é por mim é contra mim”, uma esquerda aveludada, sem a dialética e a abertura de ideias que o Sr. A. Magalhães sempre preconiza nas suas Crónicas brilhantes. Conheci dois seres humanos extraordinários que me poderiam convencer a seguir o seu posicionamento político, pelo seu exemplo de vida: Eng. Guilherme Penaforte Campos (Marido da minha Tia Júlia do Convento de Mancelos) e o Sr. A. Magalhães! Infelizmente, não me foi possível estar presente no lançamento deste há muito esperado livro, cujo autor é o Sr. A. Magalhães. Mas não podia deixar passar este momento, que é apenas mais um culminar de um projeto de um homem de mil ideias… afinal, tem sempre tanto para nos contar, com um relevo cultural e rigor literário, exemplares. Mas, antes do Escritor, queria homenagear o homem, o enorme ser humano que o seu pequeno corpo alberga. Daí, nada melhor do que levar a minha filha Beatriz a conhecer um Poeta, um Homem da escrita, um cronista imparável, um Homem que consciente da sua mundividência, do reflexo da sua ecologia de vida no seu ser, teve no Rio Tâmega entalado nas Serras do Marão e da Aboboreira, uma grande fonte de inspiração intelectual e até parte de um sentido para a sua vida! Afinal o Sr. A. Magalhães nasceu num Rio livre que, aos poucos foi sendo aprisionado pelos homens, facto que muitas vezes o levou a escrever sobre essa sua dor existencial. 

Bem haja, Poeta A. Magalhães!

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