sexta-feira, 14 de agosto de 2015

AS REFERÊNCIAS A FREGIM NA OBRA DE CAMILO CASTELO BRANCO

Fregim

HÉLDER BARROS
O grande escritor português, Camilo Castelo Branco, refere-se às suas passa-gens por Amarante, no percurso Vila Real-Porto e vice-versa, de modo a que a afamada tradição hospitaleira e posição estratégica, da nossa então Vila e ago-ra Cidade de Amarante, ficassem registadas de forma indelével, no Romance: “Vinte horas de Liteira”.

(…) “Pernoutamos, em Amarante, numa estalagem, onde eu, annos antes, ti-nha visto tres bellas creaturas, filhas de uma grave e redonda mulher, dona da hospedaria.” (…)

Na qualidade de grande apreciador da extraordinária Obra Literária de Camilo Castelo Branco, onde o seu poder narrativo de romancista de excelência, o notabilizou como um descritor das paisagens social e física do século XIX Por-tuguês, com uma clarividência fantástica na associação do ficcional com o real e que, designadamente, também abordou a nossa região e as suas vivências, quer enquanto viajante assíduo pelas nossas estradas e pousadas, quer en-quanto personagem interclassista que teve orgulho de privar, por exemplo, com o famoso salteador “Zé do Telhado”, na sua estadia forçada na Cadeia da Relação, por motivos passionais, devido à sua paixão proibida por Ana Plácido, que resultou em crime de adultério.

Ainda mais orgulhoso fiquei na referência que faz no mesmo romance, à sua passagem por Fregim, onde contou a história ficcionada de “Manoel Brazilei-ros”, estribada em acontecimentos e personagem concretas.

(…) “Vimos nascer o sol do dia seguinte nas alturas de Pidre. Dalli, com o oculo do meu amigo, procurei entre as ramagens as ameias do manuelino portal da casa de Frigim. Esta casa fôra de José Augusto Pinto de Magalhães, cavalheiro que abriu no Porto, ha dez annos, uma chronica de infortúnios, e se fechou com ella n'uma valia do cemiterio do Alto de S. João, em Lisboa. Naquella casa tinha eu passado uma noute, ha doze annos. Referi a Antonio Joaquim a tragedia mysteriosa de José Augusto. Cahia a proposito contal a aqui ao leitor; mas, no mez que vem, ha-de boiar «no rio do negro esquecimento e eterno sono» mais um livro meu, desvelando a face enigmatica d'aquella grande desventura, que o mundo impiedoso quiz explicar com uma calunia maior.

Quando avistamos o edifício magestoso de Alemtém, o meu amigo mandou-me apontar o oculo um tôpo de outeiro, em que se avistava uma cruz alpendrada, com um lampadario pendente do docel de abobada.
— Tem um bonito romance aquella cruz — disse Antonio Joaquim. — Chamo-lhe eu bonito, porque encerra uma sublimada philosophia. Eu vim alli, ha tem-pos, comprar um potro n'aquella freguezia, e conheci, em casa do comprador, um sujeito, pequeno lavrador, a quem os da terra chamam o «Manoel brazilei-ros. Pelos trajos, encodeados de terra e remendados, entendi que o epitheto de brazileiro era epigramma popular com que a gentalha costuma alcunhar os patricios que voltaram pobres do Brazil.” (…)

Aqui se fala de uma personagem que, encantado por estórias de gente que enriqueceu com a emigração para o Brasil, quis também para si esse “El Dora-do”, mas que só encontrou o destino de muitos aventureios em busca do des-conhecido e em locais remotos, o cruel reverso da medalha da sorte… no fun-do, Camilo Castelo Branco aborda nessa estória, a desmesurada ambição hu-mana de enriquecer facilmente que, neste caso, incidiu sobre um pobre rapaz de Fregim, um tal Manuel do Lugar da Mó, Fregim, Amarante.

De facto, Fregim foi sempre um local de passagem dos viajantes que vinham de Trás-os-Montes para o litoral e vice-versa. O lugar da Pousada e a Casa de Pousada, não a pertencente ao Visconde da Granja e que posteriormente per-tenceu ao Comendador José de Abreu, mas antes a Casa de Pousada, no mesmo local, que ainda pertence atualmente à família Sousa, de Pousada.

Em miúdo tive o privilégio de brincar e de visitar bastante esta casa, onde ainda eram visiveis os vestígios dos locais de amarração dos cavalos e de estacionamento das carruagens que lá paravam, para o repasto e descanso merecido dos ocupantes e dos animais que os transportavam. Tem também uma enorme cozinha, uma grande sala de jantar e muitos quartos e arrecadações, o que ajudou à sua função de Pousada.

Recordo aqui esta prova documental da importância estratégica de Amarante, que paulatinamente vamos vilipendiando mas que penso que não devemos deixar morrer… pelo contrário, deveremos tentar por todos os meios possíveis inverter, a nosso favor, a favor de uma Amarante que Dom Gonçalo encontrou na sua viagem e que, não mais abandonou, tornando-se o seu patrono! Quanto ao romance de Camilo, aconselho vivamente a sua leitura.

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