JORGE NUNO |
Partindo do nada, como de costume, logo pairou no ar a ideia de escrever sobre Bragança, pois – por mais estranho que pareça – foi considerada a 3.ª cidade mais inteligente do país, situando-se no Top 4, juntamente com Lisboa, Porto e Oeiras, num estudo independente intitulado “Portuguese Smart Cities Index 2015”, efetuado pela IDC – líder mundial em Market Intelligence.
Da inteligência, por oposição, surge-me de imediato a ideia de escrever sobre burros. Pode-se pensar, e com razão, que os decisores têm dificuldade em agir, em planear e, finalmente, colocar no terreno as condições necessárias à prevenção de incêndios, e pode-se intuir que estou a pensar em “burrice”, por essa falta de estratégia nacional. Na verdade, sabemos que anualmente os incêndios se tornam um flagelo, pondo em risco bens e pessoas, exigindo um enorme esforço humano e financeiro no seu combate, particularmente na época de verão, e que ano após ano vamos assistindo, nem que seja à distância, nos primeiros minutos dos telejornais. Foi com agrado que soube que burros de terras de Miranda do Douro iriam ser usados na prevenção de incêndios florestais, num projeto a cargo da Associação para o Estudo e Proteção de Gado Asinino (AEPGA) e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), experiência que se vai iniciar em 2016, tal como tem vindo a apresentar resultados positivos o projeto que promove a terapia com burros destinado a crianças com deficiências físicas e mentais, incluindo crianças autistas ou com dificuldades de relacionamento, e também com o envolvimento da AEPGA e da UTAD.
Sinto um aviso sonoro de chegada de correio eletrónico, e interrompo o raciocínio e o início da escrita. Trata-se de uma mensagem, contendo um link, enviado por um amigo jornalista e escritor, por quem nutro uma grande estima, devido ao seu perfil e envolvimento generoso no associativismo e na cultura. Nesse artigo, aborda com incidência o interior do país, apesar de viver no litoral, no distrito de Setúbal. Realça a “alteração do mapa das freguesias”, levando ao fim de imensas sedes de Juntas de Freguesia, com “perda do poder autárquico”, o “fim do programa de apoio para a terceira idade”, o retirar de “Centros de Saúde, Repartições de Finanças, Tribunais, Escolas (…)”, originando um forte retrocesso nas vidas dos cidadãos, deixando no ar uma inquietante preocupação quanto ao défice de esclarecimento e à intenção de voto destes portugueses que vivem no interior, com tendência para favorecer “quem lhes fez tanto mal”.
Vivendo eu no interior, por opção, e conhecendo esta realidade, não posso deixar de concordar com a maioria do conteúdo deste artigo. Acrescento que políticas erradas, ao longo de décadas, acelerou a desertificação do interior e considero que o país, de forma desproporcionada, está mesmo inclinado para o litoral, onde se promove o investimento e se concentram populações. Mas quanto ao sistema eleitoral usado para as legislativas, ao método de Hondt e representatividade na Assembleia da República (AR), ao excessivo número de deputados eleitos, aos elevados gastos nas campanhas eleitorais, ao financiamento dos partidos, aos lobbiesinstalados, à falta de interesse dos partidos políticos em promoveram “reformas” internas, que apregoam para o Estado, com consequências no bolso do cidadão… em tudo isto, de forma corporativa, defende-se o status quo. Não é inocente, ingrata ou de gente “burra”, “atrasada” ou pouco esclarecida, a opinião generalizada que paira sobre a classe política, com políticos de topo na hierarquia do Estado a ter pontuação negativa, que é como quem diz: vergonhosamente abaixo de zero.
Os portugueses, seja de que região forem, são livres de votar na formação partidária que quiserem, de votarem em branco, ou de não votarem, engrossando a enorme lista de abstencionistas em todo o país, como aconteceu nas últimas eleições para as legislativas, com abstenção de 41,1% (a mais alta de sempre) e nas últimas presidenciais, com 53,37% (também número recorde), a que se juntam mais os votos nulos e em branco, levando a que a atitude dos portugueses fosse associada a “indiferença, laxismo e falta de confiança”, perante o ato eleitoral, a política e os políticos.
Mas se ainda resta a dúvida quanto ao peso pouco expressivo dos eleitores que vivem no interior do país, deixo aqui o número de eleitores e o número de deputados a eleger no próximo ato eleitoral de outubro. Na faixa interior do país, que considerei composta pelos círculos eleitorais de Bragança, Guarda, Castelo Branco, Portalegre e Évora (eliminando Beja, por também ter território no litoral), há um total de 735.141 eleitores inscritos nos cadernos eleitorais, que colocam 16 deputados na AR. No círculo eleitoral de Setúbal há 725.783 eleitores que colocam 18 deputados na AR. Constata-se que os cinco distritos do interior citados têm mais 9.358 eleitores e elegem menos dois deputados que o de Setúbal. Só cinco distritos do litoral – Aveiro, Braga, Lisboa, Porto e Setúbal – elegem 60% dos deputados.
Na hora de votar – e falta cerca de um mês – o esclarecimento é importante, e nem quanto a isso os partidos políticos chegaram a acordo, preferindo fazer debates televisivos prévios, relacionados com os ditos debates que (tudo indica) não se vão realizar. Entretanto, há que deixar os burros fazer o seu trabalho, desde que em prol do bem comum, seja em terras de Miranda ou onde quer que se encontrem. Na hora de votar… há que fazer uso da inteligência, consciente que todas as ações/decisões produzem consequências, e ainda mais, quando se fala de inteligência coletiva, a exigir “reformas” do sistema partidário e firme mudança de atitude.
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