Com que voz chorarei meu triste fado,
que em tão dura paixão me sepultou.
que em tão dura paixão me sepultou.
Texto de Luiz de Camões, na voz de Amália
Anabela Borges DR |
Ai, o fado de ser português.
Entranhamo-nos de fado, do nosso fado, dessa dor, anseio, nostalgia, sentimento de perda. Saudade do que foi – almas perdidas que somos nós.
A tendência portuguesa para a nostalgia é antiga, nasceu com Portugal. São heranças, antepassados, misturas culturais muitas que nos fizeram assim. Nós, portugueses, somos capazes de sentir falta até do que nunca tivemos.
A História portuguesa não é fácil de se entender: é repleta de histórias simples que não são fáceis de contar e de histórias complexas que nos passam ao lado. As que não são fáceis de contar estão carregadas de tristeza e dor, e ao mesmo tempo de felicidade e coisas maravilhosas, por isso trazemos na ideia um fascínio de ser português que não sabemos, propriamente, explicar.
Já o Almada Negreiros, em homenagem a Camões, sobre esta coisa lusitana de ser, dizia “É fado nosso / é nacional / não há portugueses / há Portugal. Pois: Portugal é assim uma nuvem e nós estamos todos lá dentro metidos. É uma nuvem que às vezes tem cor de chumbo e outras vezes não tem cor nenhuma, é só nuvem. Por vezes, deixa-nos encharcados, sem escapatória possível. E outras vezes, ainda, dissipa-se e deixa-nos ver a claridade, fica assim uma aura luminosa, como aqueles mistérios de Deus ou lá o que são aquelas cores brilhantes com raios que aparecem no céu. E a verdade é que de repente somos invadidos por uma alegria imensa, que, tal como acontece com as nostalgias, não sabemos explicar de onde veio.
O fado cantado mostra tudo isso: a saudade, a dor das coisas passadas, sobretudo das que não voltam mais. E os amores perdidos? Ah, esses dariam para escrever uma história inteira.
Muitos de nós, portugueses, não fazemos mais do que viver num passado de ilusões, à espera que tudo melhore por si. E, enquanto ficamos nessa modorra, fazemos tudo com muito queixume.
Hoje, a todo o momento, parece que avistamos os fantasmas que nos atormentaram, revivemos a república do medo, da humilhação. Não há uma censura declarada, mas há a velada, que, não raro, sabemos que aquele que diz o que pensa é posto de lado por outros, retirado da roda de conhecimentos de determinados grupos de pessoas, assim com muita frequência, que isto a nível social vai uma crise que nem vos digo!
Isto faz-me pensar que Portugal esteve sempre mergulhado em crises, crises de variadas naturezas. É fado nosso, é português.
Lembro-me de ter assistido recentemente ao programa que o Bourdain realizou em Lisboa, em que, tendo entrevistado o Lobo Antunes, se referia a ele como um “velho homem” que tape a boca e baixe o tom de voz, com medo ainda de ser ouvido pela PIDE. Nós sabemos que o Lobo Antunes gosta de falar baixinho e por vezes assim entredentes, mas o viajante e apresentador de televisão americano fez esse retrato de nós. E não andará muito longe da verdade.
Fiquemos com mais um pouco de Camões na voz de Amália, que assim vão os nossos fados:
Triste quero viver, pois
se mudou
em tristeza a alegria do passado.
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